São Paulo, terça-feira, 30 de maio de 2006

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análise

Premiação surpreende em Cannes-2006

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O conjunto dos premiados de Cannes 2006, encerrado anteontem, foi surpreendente e heterodoxo, mas com certa coerência interna. O veterano Ken Loach, pela oitava vez na competição e pela 12ª no festival, levou finalmente sua Palma de Ouro por "The Wind that Shakes the Barley" (O vento que balança a cevada).
O filme devolve-o à melhor forma, depois de um começo de década menos inspirado. Loach volta a câmera para outra guerra civil. Depois da espanhola ("Terra e Liberdade") e da nicaragüense ("A Canção de Carla"), dramatiza o conflito anglo-irlandês do início dos anos 20. Radiografa tanto a luta independentista como os traumas internos à causa irlandesa.
Com "Volver", Almodóvar nos ofereceu seu filme mais autobiográfico, centrado em sua região natal, em La Mancha espanhola. É outro potente drama familiar feminino que vilaniza como nunca a figura masculina. Um grande filme em chave baixa, contido e espetacularmente interpretado. Não surpreende, assim, que tenha valido o prêmio de conjunto para o sexteto de atrizes encabeçado por Penélope Cruz e Carmen Maura. Já a atribuição do prêmio de roteiro a Almodóvar parece mero gesto de consolo.
As surpresas prosseguiram com o Grande Prêmio do Júri para "Flandres", do francês Bruno Dumont, uma alegoria antibelicista parcialmente inspirada por "Nascido para Matar", de Kubrick. Premiou-se aqui sobretudo o cinema de artifício caro a Wong Kar-wai.
Soou como tapinha nas costas, atribuído por um júri conflitado, o tímido prêmio de melhor diretor ao mexicano Alejandro González Iñárritu. Rodado em três continentes, combinando astros como Brad Pitt e Gael García Bernal a atores não-profissionais, é um poderoso afresco sobre a incomunicabilidade e o desarmamentismo.
Um segundo prêmio de conjunto de interpretação, para os cinco atores protagonistas de "Indigènes", de Rachid Bouchareb, no papel de argelinos e marroquinos que lutaram pela libertação da França ainda colonialista sob jugo alemão, destaca um belo filme com forte e atual mensagem integracionista e anticolonial numa França hoje sacudida pela nova legislação antiimigratória encaminhada pelo ministro do interior Nicolas Sarkozy.
Por fim, a britânica Andrea Arnold levou o Prêmio do Júri com "Red Road", ainda segundo o presidente do júri, devido ao "grande feito para um filme de estréia". Selecionar Arnold foi abrir mão de lembrar, por exemplo, outra bela fábula sobre excluídos, do finlandês Aki Kaurismäki, "Lights in the Dusk". Não há Cannes sem injustiças.


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