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Crítica/"Syngué Sabour: Pedra-de-Paciência"
Temática batida fragiliza obra "ocidental"
ALBERTO MUSSA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em relação à primeira
metade do século 20,
existe hoje, mesmo
proporcionalmente, um número bem maior de autores oriundos de países economicamente
periféricos publicando livros
nos mercados literários da Europa e da América do Norte.
O dado é positivo. Mas é curioso que não tenha havido um
aumento correspondente na
quantidade de especialistas nas
línguas, literaturas ou culturas
dessas nações. A aparente contradição se explica: são escritores do Terceiro Mundo que
emigram e fazem carreira na
França, Inglaterra ou nos EUA,
escrevendo em idioma estrangeiro, embora se atenham a temas étnicos ou nacionais.
Atiq Rahimi é um caso desses. Nascido no Afeganistão e
exilado na França desde os
anos 80, escreve em francês.
Teve dois livros publicados
aqui ("Terra e Cinzas" e "As Mil
Casas do Sonho e do Terror",
ambientados nas guerras afegãs) e acaba de lançar "Syngué
Sabour: Pedra-de-Paciência".
A história se passa no Afeganistão, ou num país muçulmano do Oriente Médio, durante
uma guerra civil. Num quarto
de uma casa simples, uma mulher é obrigada a cuidar sozinha
do marido, que está em coma.
Ela se aproveita da circunstância e monologa com o doente.
À medida que a narrativa
evolui, a devoção inicial dá lugar ao ressentimento; e ela recorda, num tom de acusação,
sua experiência de mulher
oprimida pelo pai e pelo marido, com ênfase particular em
sua frustrante vida sexual. A
denúncia da condição feminina
no mundo islâmico parece ser o
objetivo principal da novela.
É uma bela obra, concisa e
delicada, com cenas fortes e
emocionantes -característica
do autor. Merece leitura, por
ser um bom livro. Mas deve ser
pensado numa perspectiva
mais ampla, como objeto do
sistema literário em que se insere: o da ficção ocidental.
Como se disse, Rahimi mora
em Paris, escreve em francês e
faz carreira na França. Pertence, então, à literatura francesa e
à do Ocidente -e não à do Afeganistão. O leitor que ele tem
em mente são os franceses e demais consumidores dos mercados que traduzem o francês.
É triste constatar que este livro -mesmo sendo uma boa
novela- repete o tema de centenas de outros publicados por
autores do Oriente Médio, nos
EUA e na Europa: a opressão e a
frustração sexual da mulher
nas sociedades muçulmanas.
Sabemos que a insistência
em construir personagens com
as mesmas características é o
que leva à formação de estereótipos. Nesse sentido, a protagonista de Rahimi é uma personagem estereotipada. Não por ser
irreal, mas por ser monotonamente similar a muitas outras
personagens de muitas outras
tramas em que a mulher muçulmana é oprimida e infeliz.
No Brasil, reclamamos dos
editores estrangeiros que só se
interessam por estereótipos de
sensualidade e violência urbana. Mas e nós? O que buscamos
nos livros do Oriente Médio?
ALBERTO MUSSA é escritor, autor de "Meu
Destino É Ser Onça" (Record)
SYNGUÉ SABOUR: PEDRA-DE-PACIÊNCIA
Autor: Atiq Rahimi
Tradução: Flávia Nascimento
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 30 (152 págs.)
Avaliação: bom
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