São Paulo, sábado, 30 de maio de 2009

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Crítica/"Syngué Sabour: Pedra-de-Paciência"

Temática batida fragiliza obra "ocidental"

ALBERTO MUSSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em relação à primeira metade do século 20, existe hoje, mesmo proporcionalmente, um número bem maior de autores oriundos de países economicamente periféricos publicando livros nos mercados literários da Europa e da América do Norte.
O dado é positivo. Mas é curioso que não tenha havido um aumento correspondente na quantidade de especialistas nas línguas, literaturas ou culturas dessas nações. A aparente contradição se explica: são escritores do Terceiro Mundo que emigram e fazem carreira na França, Inglaterra ou nos EUA, escrevendo em idioma estrangeiro, embora se atenham a temas étnicos ou nacionais.
Atiq Rahimi é um caso desses. Nascido no Afeganistão e exilado na França desde os anos 80, escreve em francês. Teve dois livros publicados aqui ("Terra e Cinzas" e "As Mil Casas do Sonho e do Terror", ambientados nas guerras afegãs) e acaba de lançar "Syngué Sabour: Pedra-de-Paciência".
A história se passa no Afeganistão, ou num país muçulmano do Oriente Médio, durante uma guerra civil. Num quarto de uma casa simples, uma mulher é obrigada a cuidar sozinha do marido, que está em coma. Ela se aproveita da circunstância e monologa com o doente.
À medida que a narrativa evolui, a devoção inicial dá lugar ao ressentimento; e ela recorda, num tom de acusação, sua experiência de mulher oprimida pelo pai e pelo marido, com ênfase particular em sua frustrante vida sexual. A denúncia da condição feminina no mundo islâmico parece ser o objetivo principal da novela.
É uma bela obra, concisa e delicada, com cenas fortes e emocionantes -característica do autor. Merece leitura, por ser um bom livro. Mas deve ser pensado numa perspectiva mais ampla, como objeto do sistema literário em que se insere: o da ficção ocidental.
Como se disse, Rahimi mora em Paris, escreve em francês e faz carreira na França. Pertence, então, à literatura francesa e à do Ocidente -e não à do Afeganistão. O leitor que ele tem em mente são os franceses e demais consumidores dos mercados que traduzem o francês.
É triste constatar que este livro -mesmo sendo uma boa novela- repete o tema de centenas de outros publicados por autores do Oriente Médio, nos EUA e na Europa: a opressão e a frustração sexual da mulher nas sociedades muçulmanas.
Sabemos que a insistência em construir personagens com as mesmas características é o que leva à formação de estereótipos. Nesse sentido, a protagonista de Rahimi é uma personagem estereotipada. Não por ser irreal, mas por ser monotonamente similar a muitas outras personagens de muitas outras tramas em que a mulher muçulmana é oprimida e infeliz.
No Brasil, reclamamos dos editores estrangeiros que só se interessam por estereótipos de sensualidade e violência urbana. Mas e nós? O que buscamos nos livros do Oriente Médio?

ALBERTO MUSSA é escritor, autor de "Meu Destino É Ser Onça" (Record)


SYNGUÉ SABOUR: PEDRA-DE-PACIÊNCIA
Autor: Atiq Rahimi
Tradução: Flávia Nascimento
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 30 (152 págs.)
Avaliação: bom




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