São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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GASTRONOMIA

Ferran Adrià, do celebrado restaurante El Bulli, abre casa que serve hambúrgueres e fritas com qualidade

Chef catalão quer revolucionar fast food

DO "NEW YORK TIMES"

Ferran Adrià já foi classificado como o mais imaginativo dos chefs de cozinha. Em seu celebrado restaurante, El Bulli, na cidade litorânea catalã de Rosas, Adrià, 42, inventou pratos como a paella de sucrilhos com redução de frutos do mar, e purê de batatas aromatizado com baunilha e servido com uma fava de baunilha, para acentuar o aroma.
Agora, o chef catalão pretende atingir um objetivo ainda maior do que o aperfeiçoamento do ravióli líqüido ou a criação de uma espuma para banho baseada em caldo de legumes: a transformação do fast food em boa comida.
"Queria retribuir à sociedade parte do que ela me deu", disse Adrià em uma entrevista recente. "Por isso, um dia comecei a pensar se não existiria um modo de produzir fast food que fosse, ao mesmo tempo, boa comida. É uma idéia tão simples!"
Assim, Adrià abriu em Madri aquilo que ele define como um restaurante de fast food de ótima qualidade, o Fast Good. O sonho do cozinheiro é abrir dezenas, talvez centenas deles, na Espanha e em outros países. Mas um chef trabalhando em território tão distante do usual corre o risco de perder o rumo, e Adrià admite que aprende enquanto faz.
"Sabia que a primeira casa seria uma espécie de experiência de aprendizado", disse. "Passamos oito meses tentando aperfeiçoar as nossas batatas fritas. Estávamos a ponto de nos matar", diz.
"E também havia a questão da alcatra. Eu vivia elogiando as virtudes da alcatra, e, na primeira vez que fiz hambúrgueres, usei um corte dessa carne para o sanduíche", disse. "Não deu certo. Por isso, agora estou aprendendo a fazer hambúrgueres!"

Concorrência
Adrià não tem nada de negativo a declarar sobre seus concorrentes de maior porte. "Não estou criticando o Burger King ou o McDonald's", afirma. "Ferran Adrià e os 100 melhores cozinheiros do mundo não conseguiriam fazer melhor, pelos preços que eles cobram".
No Fast Good, os hambúrgueres (US$ 9,30) são feitos de carne moída espanhola e servidos com tapenade, uma pasta de azeitonas pretas que os acompanha em pequenos potes de plástico vermelho. As fritas são frescas, cortadas a cada manhã, e preparadas com azeite de oliva espanhol, substituído a cada dia nas frigideiras. O prato é servido em embalagens de papelão dobrado, como as usadas pelo McDonald's. O cardápio também inclui pratos como nuggets de frango com limão, gaspacho em garrafas plásticas, ovos fritos com batatas e presunto ibérico, além de diversas saladas preparadas na hora.
"A melhor coisa quanto a esse lugar é que é novo; a estética é diferente", disse Juan Antonio Cusla Prieto, 35, gerente de uma empresa de jardinagem. "É um hambúrguer melhor que o do Burger King ou o do McDonald's. Mas eu queria tomar outra cerveja. E já esperei 20 minutos pela minha comida. Não queria ter de esperar outro tanto."

Hambúrguer americano
Enquanto isso, onde se pode encontrar o melhor, e o mais rápido, hambúrguer de Madri? O consenso, no pátio do Fast Good uma determinada noite, apontava para o Alfredo's Barbecoa, um bar e restaurante de grelhados que usa temas texanos em sua decoração.
Lá, Alfredo, também conhecido como Alfred Gradus, 60, um restaurateur do Bronx que usa barba e um rabo de cavalo, oferece filés de carne norte-americana, hambúrgueres e costelas cozidos em grelha a lenha, milho no sabugo e salada coleslaw.
A mulher dele, Ana María Galinda, espanhola, faz pudins de pão, tortas de maçã e cheesecake à maneira de Nova York. A especialidade da casa é o hambúrguer com cebolas e requeijão.
Bebendo uma mistura de conhaque e Coca-Cola em uma caneca de cerveja, Gradus explica seu segredo: "Um hambúrguer suculento precisa de alguma gordura e de um fogo bem quente. O calor produz muita fumaça. Você entende a idéia, ou não?"
Gradus se orgulha de Adrià e da maneira pela qual o El Bulli, quase que sem ajuda, transformou a imagem da culinária espanhola em todo o mundo. "A comida espanhola é a melhor do mundo", disse Gradus. "É por isso que eu jamais ousaria me envolver em um restaurante espanhol. Não conseguiria competir nunca".
Mas Gradus, que diz que seus pais tinham uma lanchonete no Grand Concourse, ressalta que a experiência conta, na hora de produzir comida simples, rápida, fácil e de boa qualidade. "Eu venho fazendo hambúrgueres, milkshakes e omeletes desde os nove anos", conta.
No clássico El Asador de Aranda, um restaurante a alguns quilômetros de distância, existe fast food de espécie diferente. Entradas como salsichas grelhadas, "chorizo" e rins de carneiro preparados à sautée chegam em rápida seqüência às mesas sem que os clientes precisem pedir. O mesmo se aplica ao cordeiro alimentado com leite, cuja carne fica assando durante três horas em imensos fornos de barro.
"A comida não precisa ser um lixo para ser rápida", disse José Barajas, o maître que comanda o serviço do restaurante há mais de duas décadas. "A nossa comida é comida para todos os momentos. O fast food do passado".
Mas Adrià está convencido de que encontrou um nicho de mercado com o Fast Good, que ele considera ter um imenso potencial de crescimento.
"Preciso me concentrar no aspecto empresarial da coisa por uns dois ou três anos, a fim de comprar minha liberdade criativa", disse ele. "Sou feliz quando estou cozinhando. E quando chego ao El Bulli para trabalhar, não quero ter de ficar pensando a cada dia se conseguirei ganhar dinheiro suficiente".


Tradução de Paulo Migliacci


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