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CRÍTICA
Diretora capta essência do diário e constrói obra exata e agradável
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Helena Morley foi uma
amadora. Não escrevia para
fazer carreira, fama ou dinheiro.
Seu diário, recolhido em "Minha
Vida de Menina", é constituído de
notações cujo objetivo principal é
reter os acontecimentos recentes
em sua vida de jovem provinciana. Não por acaso, seduziu gente
como Guimarães Rosa e Georges
Bernanos, Roberto Schwartz e
Alexandre Eulálio.
Também Helena Solberg trabalha um pouco como amadora ao
adaptar o livro de Morley para o
cinema. Numa época de profissionalismo triunfante, "Vida de
Menina" parece fazer questão de
manter certos traços de amador
-ou seja, daquele que ama. Temos, por exemplo, uma penca de
atores desconhecidos -alguns
saudavelmente canastrões-, a
garantir um tipo de interpretação
bem distante daquele que, por
força de vermos na Rede Globo,
muitos têm na conta de universal.
Ou ainda um roteiro que despreza
a evolução, centrando-se em cada
acontecimento (como se espera
de um diário).
Esse amadorismo não deve ser
confundido com insuficiência. Ao
contrário. Se o cinema brasileiro
recente tem se esmerado em
construir cuidadosas insignificâncias, Helena Solberg produziu
uma peça tão descontraída quanto encantadora. Aspectos como
fotografia, direção de arte e montagem completam-se suavemente, no sentido de reconstituir a vida em Diamantina: a luz e o ritmo
se harmonizam, enquanto os atores (por uma vez, num filme de
época brasileiro) vestem trajes do
fim do século 19 com a mesma naturalidade com que portariam
um traje contemporâneo.
Ludmila Dayer, atriz de que
ninguém parece gostar quando
trabalha nas novelas de TV, se sai
admiravelmente na pele da menina que cresce em plena decadência das lavras de Diamantina, registrando com percepção aguda
eventos que, em sua despretensão, acabam revelando muito do
que era o Brasil na passagem do
Império à República (e, afinal, do
que continua sendo até hoje).
Não que fosse essa a intenção do
livro. E, se era a intenção do filme,
Solberg conseguiu disfarçá-la
com maestria. Pois a primeira
questão que nos lança um diário é
a do sentido. O que dá sentido a
um diário? Ao contrário da narrativa romanesca, ninguém sabe
onde ele vai dar, se vai formar um
todo coerente ou não. Ele se constrói ao sabor do acaso. O significado nunca precede a escrita, portanto, e eventualmente pode nunca se revelar.
"Vida de Menina" sabe não
atropelar esse destino dos diários,
intrometendo ali interpretações
capazes de revelar a inteligência
das roteiristas, mas capazes igualmente de arruinar um filme.
Não há sinal de inteligência neste filme -e isso é um baita elogio.
Porque cabe a nós juntar as peças
e encontrar um significado para
essas imagens. Ao filme cabe
mostrar as imagens, criando, na
medida do possível, um correlato
do fraseado ao mesmo tempo seco e colorido de Helena Morley.
Tarefa que Helena Solberg cumpre com folga, há que se dizer.
"Vida de Menina" cria uma das
narrativas mais exatas, agradáveis
e agudas realizadas no Brasil nos últimos anos.
Vida de Menina
Direção: Helena Solberg
Produção: Brasil, 2005
Com: Ludmila Dayer, Daniela Escobar, Dalton Vigh
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Cine Morumbi,
Lumière, Pátio Higienópolis e circuito
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