São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2010

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Dino Buzzati recria mito grego para os quadrinhos

Escritor italiano aclimata história de Orfeu e Eurídice à Milão dos anos 1960

Autor de "O Deserto dos Tártaros" também terá lançado seu primeiro romance, "Barnabo das Montanhas", de 1933

MARCOS FLAMÍNIO PERES
DE SÃO PAULO

Dino Buzzati é um daqueles escritores que se tornaram reféns de um livro só -como Jonathan Swift com "As Viagens de Gulliver", Herman Melville com "Moby Dick" ou Robert Musil com "O Homem sem Qualidades". De fato, "O Deserto dos Tártaros" (1940) alçou o inquieto jornalista do "Corriere della Sera" a estrela da literatura italiana e mundial.
No Brasil, o romance criou um fiel círculo de adeptos que culminaria em um ensaio consagrador do crítico Antonio Candido ("Na Fortaleza" -de 1990-, incluído em "O Discurso e a Cidade").
Mas, aos poucos, a criatura começa a se libertar de sua criação, com o lançamento, aqui, de duas novas obras suas -"Poema em Quadrinhos", que sai na semana que vem, e "Barnabo das Montanhas", previsto para janeiro.
Este, que foi seu primeiro romance (1933), traz o mesmo tom de fábula de sua obra-prima e o mesmo clima de expectativa -a de uma "grande ocasião" que possa atribuir sentido a toda uma existência.
Já sua HQ é algo bem diferente. Ela aclimata o mito grego de Orfeu e Eurídice para a Milão contemporânea ao narrar a vida de Orfi -jovem que desagrada sua família de aristocratas decadentes por se tornar cantor e guitarrista famoso.
Apaixonado pela figura de uma mulher -Eura- que entra na sinistra casa defronte à sua, ele decide seguir seu paradeiro. E, assim como na história antiga, mergulha no mundo dos mortos para trazê-la de volta à vida. Suas armas: apenas voz e canções.
"Poema em Quadrinhos" foi todo escrito e desenhado pelo próprio Buzzati (1906-1972), que se considerava antes de tudo um pintor -embora incompreendido. Em seus traços, é nítida a influência do surrealismo nas personagens deformadas à la Salvador Dalí. Em outros momentos, quando o protagonista se vê esmagado por perspectivas sem fim e fora de proporção, salta aos olhos o cenário expressionista de filmes como "O Gabinete do Doutor Caligari" (1920), de Robert Wiene.
Mas o livro dialoga também com a cultura pop -e não só com os quadrinhos. Publicado em 1969, em plena efervescência da contracultura, ele repõe a figura do jovem contestador do período. Orfi, "para escândalo dos parentes, está fazendo fortuna". E pior: no subsolo de uma casa noturna, onde, "todas as noites, adolescentes deliram por ele".
Difícil imaginar que Buzzati não tenha sido influenciado, à época, por músicas como "Era um garoto que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones" -sucesso do pop italiano dos anos 1960 que também traz seu Orfi rebelde, de voz vibrante e guitarra em punho. Mas as semelhanças terminam aí.

POEMA EM QUADRINHOS

AUTOR Dino Buzzati
TRADUÇÃO Eduardo Sterzi
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 42 (222 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



BARNABO DAS MONTANHAS

AUTOR Dino Buzzati
TRADUÇÃO Mauricio Santana Dias
EDITORA Nova Fronteira
QUANTO preço e págs. não definidos
AVALIAÇÃO bom


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