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CRÍTICA DOCUMENTÁRIO
Eduardo Coutinho inova ao retratar um dia de televisão
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O que existe de mais fascinante em "Um Dia na Vida" é
que Eduardo Coutinho reinventa-se a cada filme, mas
nunca deixa de surpreender
o espectador -como assinalou Eduardo Escorel no debate após a exibição única do
filme, anteontem.
Reinventa-se sem nunca
trair ou abandonar o próprio
trajeto. "Um Dia na Vida" talvez seja o momento mais radical dessa busca de um cinema que negue o artista para fazer do filme um objeto em que o mundo se manifesta plenamente, com a mínima interferência do autor.
Sim, isso claramente remete a Roberto Rossellini e
seu neorrealismo. Mas algo
particulariza e atualiza esse
projeto. Tratava-se de registrar 19 horas de televisão (os
canais abertos apenas) para
extrair 90 minutos de filme.
Jorge Furtado lembrou que
esse registro de um dia de TV
constitui para o cinema mais
ou menos o que o "ready-made" de Duchamp significou
para as artes plásticas: levados ao território estranho da
tela de cinema, os programas
de TV se apresentam como
aberrações cotidianas a que a
população é submetida.
Na mesma linha também
seria possível argumentar
que o título "Um Dia na Vida" tem um quê muito irônico. Trata-se em certa medida
de produzir menos um "retrato do Brasil" do que um retrato da própria TV, que surge ali como um mundo autônomo, vagamente monstruoso, quase diabólico. Ou antes, isso é o que o filme produz, o que está lá. É o mundo-TV que se mostra a nós, tal
qual. O diretor interfere o menos possível (queira ou não,
ele seleciona, monta).
Pouco importa quem se reveza ao longo dos 90 minutos: aulas de língua, de culinária, pregadores, cirurgiões
plásticos, vendedores do terror diário (como Wagner
Montes), de milagres (o programa "Márcia").
Ao fim nos damos conta de
que a TV é o mundo dos demiurgos: algo que não retrata
o mundo ou o que somos senão indiretamente, pois mais
ruidoso e mais infernal.
Não será injusto concordar
com Coutinho quando diz
que isso não é um filme, mas
"uma coisa" tentando decifrar essa máquina de vendas
que é a TV, mas também um
filme que se põe fora do universo argentário que é o do
cinema hoje. Ou, simplificando um pouco: não serão
certos momentos de "Tropa
de Elite 2" um espelho invertido do programa de TV de
Wagner Montes? Ou ainda:
não será o cinema um duplo?
UM DIA NA VIDA
AVALIAÇÃO ótimo
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