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Cineasta expõe clichês gringos sobre o Brasil
No filme "Olhar Estrangeiro", Lúcia Murat reúne cenas absurdas de produções internacionais e questiona os autores
Baseado em tese de Tunico Amâncio sobre os estereótipos brasileiros no cinema, filme estréia amanhã em São Paulo
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
No Brasil, vivemos todos na
floresta, onde cobras gigantes
devoram aventureiros estrangeiros queimados de sol e picados por mosquitos. Nossa capital é o Rio de Janeiro, onde as
mulheres são mulatas de bunda
grande e "vida fácil". Os casamentos parecem rituais de umbanda, enquanto a sensual lambada é uma febre nacional surgida da mescla harmoniosa das
culturas indígena e africana.
No documentário "Olhar Estrangeiro", que estréia amanhã
em São Paulo, Lúcia Murat
("Quase Dois Irmãos", 2004)
vai literalmente à caça de roteiristas e diretores de cinema a
quem responsabiliza por disseminar clichês sobre o Brasil como os mencionados acima. "Eu
queria saber o que se passava
na cabeça deles quando filmaram aquelas barbaridades", disse a cineasta à Folha.
São essas tais "barbaridades"
que dão amarração e graça (põe
graça nisso) ao filme. Michael
Caine passeando em Ipanema,
onde todas as mulheres estão
com os seios (perfeitos, sem exceção) de fora, em "Feitiço do
Rio" (Stanley Donen, 1984).
Brooke Shields surfando sobre
crocodilos, num espalhafatoso
vestido vermelho, ao som de
um samba, em "Brenda Starr"
(Robert Ellis Miller, 1989). Um
brasileiro fake (na verdade, um
ator americano de origem latina) com um sotaque terrível,
convidando uma americana a
viajar para uma "praia de São
Paulo" em "Próxima Parada,
Wonderland" (Brad Anderson,
1998). E, ainda, o ator francês
Daniel Auteil comentando o tamanho da bunda de uma negra
brasileira em "T'Empêches
Tout le Monde de Dormir"
(Gérard Lauzier, 1982).
Esses filmes já haviam sido
analisados na tese "O Brasil dos
Gringos", de Tunico Amâncio,
que foi base para o documentário. Com as "provas" na mão,
Murat encostou os cineastas na
parede com agressividade.
"Não quis parecer xenófoba, só
perguntei de onde tinham saído aquelas imagens."
As respostas variaram. Muitos admitiram que a indústria
cultural busca, sim, os clichês
tradicionais do Brasil -terra
do samba, do sexo e da ale-
gria-, para onde os bandidos
sempre podem fugir no final da
história. Outros ficaram envergonhados, enquanto houve
quem agisse com muita naturalidade, na linha: "Ué? Mas aí
não é assim mesmo?".
Clima pesado
O clima só ficou um pouco
mais pesado com Zalman King
(de "Orquídea Selvagem",
1990). "Ele não sabia do que se
tratava, quando percebeu que
queríamos questionar porque o
filme dele estava cheio de clichês e imperfeições, olhou para
o assessor de imprensa e quase
nos tirou dali", conta.
Para fazer um contraponto,
Murat entrevistou anônimos
franceses, suecos e norte-americanos. A eles, pedia que fizessem uma associação livre entre
palavras como "sexo", "exótico", "Paraíso", "mestiçagem" e
o Brasil. A enquete só reforçou
a visão dos cineastas. "No geral,
acho que os europeus têm um
olhar mais carinhoso com o
Brasil. Já os EUA vêem todo o
mundo latino-americano como
se fosse uma coisa só."
Mas Murat também elegeu
heróis, o norte-americano Orson Welles e o francês Édouard
Luntz. O primeiro, por seu artístico "It's All True", e o segundo por "Le Grabuge" (1968).
Luntz teve de brigar na Justiça
com a Fox, que considerou que
o filme não tinha o "colorido
brasileiro" em quantidade suficiente. "Welles e Luntz foram
antes de tudo autores, colocaram seu olhar pessoal no que
faziam, por isso não se deixaram levar por clichês."
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