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Livros
Obra de Benedetti traz melancolia uruguaia
Livro mais famoso do autor, "A Trégua" inicia reedição de seus títulos no Brasil
Romance trata de morte e desesperança por meio da história de um viúvo
às vésperas de receber a sua aposentadoria
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Montevidéu é, por natureza,
uma cidade melancólica, onde
o tempo parece se arrastar.
Em 1959, quando Mario Benedetti escreveu "A Trégua",
esse abatimento representava
não só o desânimo dos uruguaios por conta de uma crise
econômica que dilapidava seu
passado de prosperidade - o
país era até então conhecido
como a "Suíça da América do
Sul"- como insinuava uma espécie de pressentimento de que
algo muito ruim estava para vir.
E veio mesmo, com a polarização social, guerrilhas extremistas de esquerda (os tupamaros) e de direita, um golpe
militar seguido de uma ditadura duríssima (1973-1985), responsável pelo desaparecimento de cerca de 300 pessoas.
Separar a vida política do
Uruguai da obra de Benedetti é
impossível. O escritor foi militante de esquerda tanto no dia-a-dia como por meio de seus
textos literários e ensaios.
Ajudou a criar o Frente Amplio, coalizão de partidos de esquerda, e foi um de seus dirigentes. Por conta de suas atividades políticas, acabou indo
para o exílio durante o regime
militar, primeiro na Argentina,
depois na Europa, ficando 12
anos fora do Uruguai.
Hoje, vivendo novamente em
Montevidéu, ele faz um balanço do período. "Ao sentir-me
distante de meu país e meu
continente, me senti mais pertencente a eles. Como o exílio
não foi voluntário, me produziu
uma especial nostalgia e preocupação por essas terras e pela
minha gente", contou o escritor, de 86 anos, à Folha, em entrevista realizada por e-mail.
"A Trégua"
Hoje, o autor de mais de 80
títulos, entre prosa, ensaios e
poesia, comemora o fato de o
partido esquerdista finalmente
estar governando o país, com o
presidente Tabaré Vázquez.
"O fato de isso ter acontecido
por meio de eleições limpas e
democráticas foi uma conquista para o povo uruguaio. Mas
devemos sonhar mais alto."
Períodos da vida em que nada
acontece interrompidos por
breves momentos de felicidade
e tensão são recorrentes nos livros do uruguaio. "Em "La Vida
Ese Paréntesis", me refiro a um
espaço de tempo vivido entre
dois nadas, o nascimento e a
morte. Já em "A Trégua", se representa mais a vida de um homem entre suas duas experiências como viúvo", compara.
No romance, o protagonista é
Santomé, um homem que, em
poucas semanas, fará 50 anos.
Quando isso acontecer, vai se
aposentar. Viúvo há mais de 20,
conformado com a solidão
-que não é quebrada nem pelos três filhos com quem vive-,
pensa que mais nada de significativo vai novamente lhe acontecer. Até que se apaixona por
Avellaneda, jovem funcionária
subordinada a ele no escritório
em que ambos trabalham.
O ambiente sufocante e tedioso do local, onde só se realizam tarefas burocráticas, reforça as angústias do personagem.
Benedetti conta que ele foi
construído a partir de experiências pessoais. O autor trabalhou cinco anos na administração pública da cidade, e depois mais quinze num escritório de uma empresa privada.
"Lá, entrei como auxiliar e terminei como gerente. Então foram surgindo situações e personagens bastante aptos para
serem integrados em obras literárias", diz. O marasmo desse
cotidiano acabou dando uma
brecha, inclusive, para que se
envolvesse com a literatura.
"Eu trabalhava na zona central da capital. Ao meio-dia, nos
davam duas horas livres para ir
almoçar. Como eu vivia num
bairro bastante afastado e não
dava tempo de ir para casa, me
instalava no canto tranqüilo de
um antigo café e ali escrevi integralmente "A Trégua".
Esse romance sobre morte e
desesperança, feito nos anos
50, tem vida longa. Em 1974, foi
levado às telas pelo diretor argentino Sérgio Renan, tendo no
elenco os veteranos Hector Alterio e Norma Aleandro. Recebeu indicação para o Oscar de
filme estrangeiro no ano seguinte, e, em 2003, foi refilmado no México.
Agora, o relançamento da
obra aqui inaugura uma série
de reedições dos livros de Mario Benedetti no Brasil. Até o final do ano, saem pelo selo Alfaguara/Objetiva "El Buzón del
Tiempo" (ainda com o título
provisório de "Correio do Tempo") e "Primavera Con Una Esquina Rota".
A TRÉGUA
Autor: Mario Benedetti
Lançamento: Alfaguara/Objetiva
Preço: R$ 32,90 (179 págs.)
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