São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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Livros

Obra de Benedetti traz melancolia uruguaia

Livro mais famoso do autor, "A Trégua" inicia reedição de seus títulos no Brasil

Romance trata de morte e desesperança por meio da história de um viúvo às vésperas de receber a sua aposentadoria


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Montevidéu é, por natureza, uma cidade melancólica, onde o tempo parece se arrastar.
Em 1959, quando Mario Benedetti escreveu "A Trégua", esse abatimento representava não só o desânimo dos uruguaios por conta de uma crise econômica que dilapidava seu passado de prosperidade - o país era até então conhecido como a "Suíça da América do Sul"- como insinuava uma espécie de pressentimento de que algo muito ruim estava para vir.
E veio mesmo, com a polarização social, guerrilhas extremistas de esquerda (os tupamaros) e de direita, um golpe militar seguido de uma ditadura duríssima (1973-1985), responsável pelo desaparecimento de cerca de 300 pessoas.
Separar a vida política do Uruguai da obra de Benedetti é impossível. O escritor foi militante de esquerda tanto no dia-a-dia como por meio de seus textos literários e ensaios.
Ajudou a criar o Frente Amplio, coalizão de partidos de esquerda, e foi um de seus dirigentes. Por conta de suas atividades políticas, acabou indo para o exílio durante o regime militar, primeiro na Argentina, depois na Europa, ficando 12 anos fora do Uruguai.
Hoje, vivendo novamente em Montevidéu, ele faz um balanço do período. "Ao sentir-me distante de meu país e meu continente, me senti mais pertencente a eles. Como o exílio não foi voluntário, me produziu uma especial nostalgia e preocupação por essas terras e pela minha gente", contou o escritor, de 86 anos, à Folha, em entrevista realizada por e-mail.

"A Trégua"
Hoje, o autor de mais de 80 títulos, entre prosa, ensaios e poesia, comemora o fato de o partido esquerdista finalmente estar governando o país, com o presidente Tabaré Vázquez.
"O fato de isso ter acontecido por meio de eleições limpas e democráticas foi uma conquista para o povo uruguaio. Mas devemos sonhar mais alto."
Períodos da vida em que nada acontece interrompidos por breves momentos de felicidade e tensão são recorrentes nos livros do uruguaio. "Em "La Vida Ese Paréntesis", me refiro a um espaço de tempo vivido entre dois nadas, o nascimento e a morte. Já em "A Trégua", se representa mais a vida de um homem entre suas duas experiências como viúvo", compara.
No romance, o protagonista é Santomé, um homem que, em poucas semanas, fará 50 anos.
Quando isso acontecer, vai se aposentar. Viúvo há mais de 20, conformado com a solidão -que não é quebrada nem pelos três filhos com quem vive-, pensa que mais nada de significativo vai novamente lhe acontecer. Até que se apaixona por Avellaneda, jovem funcionária subordinada a ele no escritório em que ambos trabalham.
O ambiente sufocante e tedioso do local, onde só se realizam tarefas burocráticas, reforça as angústias do personagem.
Benedetti conta que ele foi construído a partir de experiências pessoais. O autor trabalhou cinco anos na administração pública da cidade, e depois mais quinze num escritório de uma empresa privada. "Lá, entrei como auxiliar e terminei como gerente. Então foram surgindo situações e personagens bastante aptos para serem integrados em obras literárias", diz. O marasmo desse cotidiano acabou dando uma brecha, inclusive, para que se envolvesse com a literatura.
"Eu trabalhava na zona central da capital. Ao meio-dia, nos davam duas horas livres para ir almoçar. Como eu vivia num bairro bastante afastado e não dava tempo de ir para casa, me instalava no canto tranqüilo de um antigo café e ali escrevi integralmente "A Trégua".
Esse romance sobre morte e desesperança, feito nos anos 50, tem vida longa. Em 1974, foi levado às telas pelo diretor argentino Sérgio Renan, tendo no elenco os veteranos Hector Alterio e Norma Aleandro. Recebeu indicação para o Oscar de filme estrangeiro no ano seguinte, e, em 2003, foi refilmado no México.
Agora, o relançamento da obra aqui inaugura uma série de reedições dos livros de Mario Benedetti no Brasil. Até o final do ano, saem pelo selo Alfaguara/Objetiva "El Buzón del Tiempo" (ainda com o título provisório de "Correio do Tempo") e "Primavera Con Una Esquina Rota".


A TRÉGUA
Autor:
Mario Benedetti
Lançamento: Alfaguara/Objetiva
Preço: R$ 32,90 (179 págs.)


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