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DRAUZIO VARELLA
A longa vida dos neurônios
É muito provável que nossos
neurônios não morram com
a facilidade que imaginávamos.
A teoria de que perdemos neurônios a cada dia que passa surgiu a partir de um trabalho de H.
Brody, publicado nos Estados
Unidos em 1955. O autor fez cortes histológicos dos cérebros de indivíduos cujas idades variavam
entre alguns meses e 95 anos, corou-os com uma substância que
torna os neurônios visíveis e contou-os numericamente. Encontrou perda significativa dessas células com a idade, até mesmo em
áreas essenciais para manter a
capacidade de planejamento e
em centros que controlam a percepção de estímulos sensoriais.
Estudos posteriores, conduzidos
com metodologia menos precária,
aparentemente confirmaram essa
observação.
Essas evidências justificavam a
deterioração neurológica progressiva da maioria das enfermidades associadas à senectude,
mas nunca explicou o caso dos
idosos lúcidos. A perda diária de
neurônios afetou a qualidade dos
contos de Borges? A dos quadros
de Matisse?
A teoria da morte progressiva
de neurônios começou a ser contestada a partir da publicação dos
trabalhos de H. Haug, da Universidade de Lübeck, em 1984. Num
estudo com 120 cérebros humanos, o autor fez uma observação
singela: o tecido cerebral encolhe
quando cortado para exame no
microscópio. Como o cérebro jovem é mais elástico, a concentração de neurônios por centímetro
quadrado fica maior, da mesma
forma que dois alfinetes num
elástico esticado se aproximarão
se o deixarmos contrair.
A partir de então, a revisão rigorosa dos métodos utilizados pelos pesquisadores que estabeleceram o dogma da morte neuronal
inexorável deixou claro que ele
havia sido estabelecido a partir de
trabalhos com problemas técnicos
capazes de comprometer as conclusões finais.
Com advento de técnicas tridimensionais, muito mais precisas
para a contagem de neurônios,
diversos pesquisadores demonstraram que, salvo em condições
patológicas, o envelhecimento
não está obrigatoriamente associado à morte progressiva de neurônios.
Como explicar, então, a queixa
de perda de memória tão frequente nas mulheres e nos homens de idade?
Embora não pareça haver perda significativa de neurônios nos
circuitos do hipocampo (estrutura situada na parte central do cérebro, crucial para a estruturação
da memória), com o passar dos
anos podem surgir deficiências
funcionais nessa circuitaria. Testes de aprendizado em roedores,
primatas e seres humanos sugerem existir redução na capacidade de reter informações novas à
medida que o animal envelhece,
conclusão coerente com a dificuldade dos mais velhos para lembrar fatos recentes.
Descartados os quadros demenciais, a doença de Alzheimer e outras patologias que afetam a cognição, é provável que as queixas
de perda de memória associadas
à idade sejam consequência de
um longo processo multifatorial:
1) O mecanismo de aprendizado envolve circuitos de neurônios
que se conectam a partir de diferentes centros cerebrais. Neurônios não estão ligados uns aos outros como fios elétricos: suas terminações não se tocam, ao contrário, deixam um espaço livre
entre elas, chamado sinapse. Na
sinapse são liberados íons e os
mediadores químicos necessários
para a condução do estímulo nervoso, que pode correr em velocidades vertiginosas (medidas em
milissegundos).
A preservação desse mecanismo
implica não apenas a estimulação adequada nas fases de desenvolvimento como o uso continuado pelo resto da vida. O ato repetitivo explica como o ator Paulo
Autran repete páginas de texto no
palco, enquanto pessoas de 30
anos não conseguem guardar um
simples recado telefônico.
2) A impressão de perda de memória muitas vezes está ligada à
quantidade de "bites" armazenados. Calcula-se que o número de
informações acumuladas no cérebro de um homem de 50 anos seja
pelo menos três vezes maior do
que o contido no de um rapaz de
25.
3) Mesmo sem ocorrer morte de
neurônios, a memória pode deteriorar-se em virtude de outras alterações neurológicas.
4) O decréscimo da produção de
estrógeno, característico da menopausa, interfere em eventos
neurológicos que podem conduzir
a deficiências cognitivas. É provável que no homem exista fenômeno semelhante.
O dogma de que milhares de
nossos neurônios morrem todos
os dias caiu em descrédito na
neurociência atual. Se essas células não desaparecem em massa,
como pensávamos, a deterioração progressiva da inteligência e
da motricidade talvez não seja
obrigatória na velhice.
A circuitaria envolvida no mecanismo de memorização tem sido mapeada com rigor. As moléculas responsáveis pela recepção e
pela transmissão de sinais entre
neurônios começam a ser conhecidas e manipuladas; os genes que
as codificam também. Em alguns
anos, muitas das deficiências cognitivas tradicionalmente associadas à senescência poderão ser prevenidas, tratadas com eficácia ou
adiadas por dez ou 20 anos.
Quem sabe?
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