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CRÍTICA
Guerra contra o convencional
GUILHERME WERNECK
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
Ouvidos acostumados à estagnada criatividade da eletrônica feita apenas para as pistas
de dança devem passar longe dos
discos do Matmos, principalmente de "The Civil War".
Isso porque o diálogo musical
do Matmos está a léguas -ou décadas- de distância do transe
hedonista que caracteriza a eletrônica festiva.
Antes, a dupla faz referência à
iconoclastia dos pioneiros da eletrônica, principalmente aqueles
que improvisavam com sintetizadores, computadores e instrumentos preparados, como o coletivo dos anos 60 Musica Elettronica Viva, que tinha em suas fileiras
arquitetos sonoros como Alvin
Curran e Frederic Rzewski.
O Matmos incorpora também o
gosto pelo uso de não-músicos,
bandeira levantada por compositores modernos como John Cage
(1912-1992) e Cornelius Cardrew
(1936-1981). E, desde os seus primeiros trabalhos, explora de maneira musical o som dos objetos,
coisa que Cardrew já fazia com o
AMM, grupo de improvisação no
qual o som de um ventilador amplificado podia complementar o
de um saxofone sem problemas.
Isso não significa que a dupla
simplesmente reedita a música de
vanguarda dos anos 60 no tiroteio
pós-moderno dos anos 2000. Se,
de um lado, há encontros com esses pioneiros no gosto pelo método e pelo conceito, por outro também há o diálogo com o que se
produz em eletrônica hoje, inclusive a música de pista menos esquemática, feita por Kid 606 e
Matthew Herbert, por exemplo.
"The Civil War" é um disco que
alarga os horizontes do Matmos
ao incorporar uma série de músicos, de Mark Lightcap (Acetone) a
David Grubbs (Gastr del Sol).
Num exercício anacrônico,
Martin C. Schmidt e Drew Daniel
se voltaram para o imaginário da
Guerra Civil americana para criar
canções que espelhassem um espírito de cisão.
Musicalmente, isso se traduziu
na incorporação da música folclórica e na promoção de uma batalha entre as modulações e os ruídos eletrônicos e o uso de instrumentos como guitarras, piano, tuba e, o mais fantástico de todos,
um hurdi gurdy (primo inglês do
realejo) do século 14.
"Reconstruction" é uma faixa-chave. Começa com variações rítmicas em diferentes freqüências
eletrônicas, incorpora a improvisação coletiva e desemboca num
triste tema de faroeste liderado
pelas lamúrias da guitarra.
Na seqüência, "Y.T.T.E." chupa
a batida pulsante de "Lust for Life", de Iggy Pop, para subverter
uma jam session quase country.
A maior ousadia do disco, entretanto, é a versão anárquica da
marcha "The Stars and Stripes
Forever", do ícone da música
americana John Philip Sousa.
Entre mortos e feridos, salva-se
o ouvinte, que tem a seu alcance
um disco complexo, desafiador,
mas musical e acessível.
The Civil War
Artista: Matmos
Lançamento: Matador (importado)
Quanto: R$ 60, em média (em
www.cdpoint.com.br)
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