São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

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CRÍTICA

A telenovela e seus números superlativos

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Dois bilhões de pessoas no mundo todo assistem a telenovelas -cerca de 500 delas são produzidas por ano. Esse segmento da indústria televisiva movimenta em torno de US$ 130 milhões anualmente, juntando os mercados dos EUA, da Ásia e da Europa (e, se fosse contabilizada a América Latina, berço esplêndido do formato, o número pularia consideravelmente para cima). Os números saíram em texto publicado aqui na Ilustrada ("Novela tem 2 bilhões de espectadores", em 26 de julho).
A população mundial é de quase 6,5 bilhões de pessoas, segundo o Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França. Ou seja, quase uma pessoa em cada três assiste a alguma novela.
Mesmo que o número possa estar superestimado -o dado vem de uma pesquisa que será apresentada de forma mais completa num evento da indústria, o Telenovelas Screening- e, num ataque de ceticismo, o reduzíssemos à metade, ainda assim é impressionante pensar num produto "cultural" que atinja tantos.
É de se perguntar também quais são os critérios para classificar essas 500 produções como "telenovelas", a partir de cujas audiências deve ter sido calculado esse espantoso índice de 2 bilhões de espectadores. Há de haver uma diversidade razoável entre essas centenas de novelas, em termos de temáticas, duração, tipo de roteiro etc., mas concordância o suficiente em termos do formato -ficção seriada que "acompanha" uma série de personagens por um determinado período de tempo- para que várias dezenas de produções recebam o nome de telenovelas.
Ainda que os números pareçam grandiosos demais e, portanto, mereçam ser vistos com alguma reserva, há uma indicação bastante clara nesses dados: o formato telenovela responde a uma demanda ficcional ampla o suficiente para ser tomada como universal, portanto deveria ser observado com mais interesse mas também com mais rigor crítico. Mesmo que a TV já tenha deixado de ser desprezada pela academia há algum tempo, há muitas perguntas ainda sem resposta.
De cara, como se dá a combinação entre a convenção narrativa -as novelas podem variar na superfície, mas têm um núcleo duro que muda muito pouco- e a plasticidade da linguagem que permite múltiplas possibilidades culturais, étnicas, temporais, morais constitui uma questão ainda não respondida. Ou o que significa uma indústria amoral como a televisiva, regida pelas exigências do mercado publicitário, se encarregar das necessidades imaginárias de tanta gente ao redor do globo.
Claro que essas não são questões exclusivas da telenovela de algum modo, estão colocadas para outros produtos da indústria cultural. No caso da novela, entretanto, há esses números superlativos e uma permanência que tornam seu alcance mais amplo e, talvez, mais urgente.

@ - biabramo.tv@uol.com.br


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