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CRÍTICA
A telenovela e seus números superlativos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Dois bilhões de pessoas no
mundo todo assistem a telenovelas -cerca de 500 delas são
produzidas por ano. Esse segmento da indústria televisiva
movimenta em torno de US$ 130
milhões anualmente, juntando
os mercados dos EUA, da Ásia e
da Europa (e, se fosse contabilizada a América Latina, berço esplêndido do formato, o número
pularia consideravelmente para
cima). Os números saíram em
texto publicado aqui na Ilustrada ("Novela tem 2 bilhões de espectadores", em 26 de julho).
A população mundial é de quase 6,5 bilhões de pessoas, segundo o Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França. Ou
seja, quase uma pessoa em cada
três assiste a alguma novela.
Mesmo que o número possa
estar superestimado -o dado
vem de uma pesquisa que será
apresentada de forma mais completa num evento da indústria, o
Telenovelas Screening- e, num
ataque de ceticismo, o reduzíssemos à metade, ainda assim é impressionante pensar num produto "cultural" que atinja tantos.
É de se perguntar também
quais são os critérios para classificar essas 500 produções como
"telenovelas", a partir de cujas
audiências deve ter sido calculado esse espantoso índice de 2 bilhões de espectadores. Há de haver uma diversidade razoável entre essas centenas de novelas, em
termos de temáticas, duração, tipo de roteiro etc., mas concordância o suficiente em termos do
formato -ficção seriada que
"acompanha" uma série de personagens por um determinado
período de tempo- para que várias dezenas de produções recebam o nome de telenovelas.
Ainda que os números pareçam grandiosos demais e, portanto, mereçam ser vistos com
alguma reserva, há uma indicação bastante clara nesses dados:
o formato telenovela responde a
uma demanda ficcional ampla o
suficiente para ser tomada como
universal, portanto deveria ser
observado com mais interesse
mas também com mais rigor crítico. Mesmo que a TV já tenha
deixado de ser desprezada pela
academia há algum tempo, há
muitas perguntas ainda sem resposta.
De cara, como se dá a combinação entre a convenção narrativa
-as novelas podem variar na
superfície, mas têm um núcleo
duro que muda muito pouco- e
a plasticidade da linguagem que
permite múltiplas possibilidades
culturais, étnicas, temporais,
morais constitui uma questão
ainda não respondida. Ou o que
significa uma indústria amoral
como a televisiva, regida pelas
exigências do mercado publicitário, se encarregar das necessidades imaginárias de tanta gente ao
redor do globo.
Claro que essas não são questões exclusivas da telenovela de
algum modo, estão colocadas para outros produtos da indústria
cultural. No caso da novela, entretanto, há esses números superlativos e uma permanência
que tornam seu alcance mais
amplo e, talvez, mais urgente.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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