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Memória
Diretor formou 'santíssima trindade'
Bergman ganhou Oscar de filme estrangeiro com "Fanny & Alexandre" em 1982 e Urso de Ouro com "Morangos Silvestres'
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Ao lado do diretor japonês
Akira Kurosawa (1910-1998) e
do italiano Federico Fellini
(1920-1993), Ingmar Bergman
formou uma espécie de "santíssima trindade" do cinema de
autor no pós-guerra.
A imprensa e a crítica internacional os instalou nesse
Olimpo com base na capacidade que seus filmes demonstravam de conciliar uma perspectiva singular do mundo com o
trânsito em uma faixa de mercado mais ampla do que a oferecida por festivais e salas alternativas.
Não parece acidental que os
três tenham sido generosamente agraciados com o Oscar
de filme estrangeiro e com indicações nas categorias de direção e roteiro.
A indústria norte-americana,
em sua maneira peculiar de
hierarquizar obras e profissionais, reconhecia dessa forma
um grau de excelência a ser homenageado.
Cinema de qualidade
Era o tal "cinema de qualidade", nomenclatura que se refere, nesse contexto, a estruturas
narrativas originais (ou que parecessem originais a parcela do
público) empregadas para explorar temas "nobres" em filmes ao alcance de platéias
adultas que não fizessem parte
da categoria de ratos de cineclubes e cinematecas.
Revelador desse prestígio,
em relação a Bergman e a Fellini, é o comportamento do cineasta norte-americano
Woody Allen ao mimetizá-los
em alguns de seus filmes que já
vão se tornando "clássicos", como "Interiores" (1978) e "Memórias" (1980), entre outros.
E, em relação a Kurosawa, os
esforços de George Lucas, Martin Scorsese e Francis Coppola
para que seus derradeiros longas fossem produzidos e distribuídos.
Certa vez, Allen admitiu que
gostaria mesmo era de fazer filmes como os de Bergman -
que, em resposta que talvez significasse mais do que apenas
retribuição bem-humorada à
gentileza do colega, disse que
adoraria ser capaz de fazer filmes como os de Allen.
Dois livros autobiográficos
permitem que se investigue a
trajetória e o pensamento de
Bergman em busca de respostas para esse suposto desconforto entre artista e sua obra:
"Lanterna Mágica" (1987) e
"Imagens" (1990).
"Toda a educação que eu e
meus irmãos recebemos baseava-se praticamente em conceitos relacionados com pecado,
confissão, castigo, perdão, indulgência, conceitos comuns
nas relações entre pais e filhos,
e que incluíam a idéia de Deus",
lembra o cineasta, no primeiro
livro, em sua franca reconstituição da infância.
"Imagens"
No final, depois de recapitular os principais momentos da
carreira no teatro, no cinema e
na televisão, menciona a descoberta de notas escritas pela sua
mãe na conturbada semana em
que nasceu, e empresta uma
frase dela para encerrar as memórias: "A vida é assim mesmo:
cada um tem de se arranjar o
melhor que puder".
Em "Imagens", que reúne comentários sobre seus principais filmes, há uma epígrafe devastadora, retirada de uma
anotação de agenda de trabalho
de 1964:
"Minha peça começa com o
ator que desce à platéia, estrangula um crítico e, de um livrinho preto, lê todas as humilhações que sofreu e de que tomou
nota. Depois vomita sobre o público. Em seguida, afasta-se e
dá um tiro na cabeça."
Imagine isso como um filme
de Woody Allen.
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