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CECILIA GIANNETTI
Sem salvação social
Fazer "top top" em meio à tragédia é falta de respeito. Perder as calças em Paris (as que nos vestiam) exige talento
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A EXEMPLO do Lula, também
fugi da festa de encerramen-
to do Pan.
Não por medo de ser vaiada pela
multidão. Mas, por conta de conversas telefônicas recentes, ocorridas
na hora-que-apavora (entre 4h e 5h
da madrugada, limbo dos corações
afogados em vinho tinto), acredito
que eu poderia receber, de diferentes pontos da arquibancada do Maracanã, manifestações de reprovação em vibrantes faixas.
"Interurbano, não!" é um dos slogans que enxergo erguidos para
mim no estádio, com impressionante nitidez, em devaneios que um
resto de prudência me impede de
detalhar aqui.
Para aqueles que se consideram
indivíduos sem qualquer possibilidade de salvação social, "gadgets" e
softwares para comunicação imediata são apenas mais uma vitrine
para a nossa inadequação. Tenho
feito mal uso de todos, em especial
do celular.
E-mail, MSN, SMS, Google Talk
e scraps também nos ameaçam o
naco de dignidade que sustentamos
diariamente como um prato na ponta de um graveto. Naco este que induz nos amigos a ilusão de que
nos poderão ensinar truques para
vivermos em comunidade sem que
nossa presença os lembre constantemente de Peter Sellers, Jerry Lewis ou Didi Mocó.
Fortes palavras para nós, que
não temos salvação social. Mas
o primeiro passo é admitir que temos um problema. O segundo é
reconhecermos certas diferenças:
um governante (Itamar Franco)
deixar-se fotografar ao lado de uma
mulher sem calcinha é um erro.
Uma cortina finíssima que pega fogo
num restaurante graças a um cigarro de que meus dedos se distraem,
isso é não ter salvação social. Um
assessor do presidente fazer "top
top" em meio a uma tragédia enfrentada pelo país é falta de respeito,
de sangue nas veias e de inteligência.
Perder as calças em um aeroporto
de Paris (as que nos vestiam) exige
raro talento.
Quando Peter Sellers faz sua entrada inglória na festa de "Um Convidado Bem Trapalhão" (dá para encontrar no YouTube em busca por
"the white shoe in the party"), deixando cair numa fonte um de seus
sapatos, antes que consiga atravessar a ponte sobre a água até a sala onde estão os outros convidados, é reconhecível na seqüência o cúmulo
do padrão que domina o cotidiano
de nossa gente.
Tal talento, aplicado a diálogos telefônicos noturnos, engendra confissões que fazem o prato desabar do
graveto em que precariamente o
mantínhamos girando. Palhaços
sem a graça de uma bela trapezista,
pedimos desculpas ao respeitável
público e sumimos de cena num
Fusca que tem margaridas tapando
o escapamento, certos de que um
passeio conosco é menos atraente
do que se pendurar com a trapezista
no poleiro.
Mas o que você realmente quer saber, após esse preâmbulo sentimentalóide, é como perdi as calças (as
que eu vestia) no aeroporto de Paris.
Posso te ligar entre 4h e 5h da madrugada e contar a história.
"Não é bonita, mas me faz rir", é o
que dizem.
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