São Paulo, terça-feira, 31 de julho de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Sem salvação social


Fazer "top top" em meio à tragédia é falta de respeito. Perder as calças em Paris (as que nos vestiam) exige talento

A EXEMPLO do Lula, também fugi da festa de encerramen- to do Pan.
Não por medo de ser vaiada pela multidão. Mas, por conta de conversas telefônicas recentes, ocorridas na hora-que-apavora (entre 4h e 5h da madrugada, limbo dos corações afogados em vinho tinto), acredito que eu poderia receber, de diferentes pontos da arquibancada do Maracanã, manifestações de reprovação em vibrantes faixas.
"Interurbano, não!" é um dos slogans que enxergo erguidos para mim no estádio, com impressionante nitidez, em devaneios que um resto de prudência me impede de detalhar aqui.
Para aqueles que se consideram indivíduos sem qualquer possibilidade de salvação social, "gadgets" e softwares para comunicação imediata são apenas mais uma vitrine para a nossa inadequação. Tenho feito mal uso de todos, em especial do celular.
E-mail, MSN, SMS, Google Talk e scraps também nos ameaçam o naco de dignidade que sustentamos diariamente como um prato na ponta de um graveto. Naco este que induz nos amigos a ilusão de que nos poderão ensinar truques para vivermos em comunidade sem que nossa presença os lembre constantemente de Peter Sellers, Jerry Lewis ou Didi Mocó.
Fortes palavras para nós, que não temos salvação social. Mas o primeiro passo é admitir que temos um problema. O segundo é reconhecermos certas diferenças: um governante (Itamar Franco) deixar-se fotografar ao lado de uma mulher sem calcinha é um erro. Uma cortina finíssima que pega fogo num restaurante graças a um cigarro de que meus dedos se distraem, isso é não ter salvação social. Um assessor do presidente fazer "top top" em meio a uma tragédia enfrentada pelo país é falta de respeito, de sangue nas veias e de inteligência. Perder as calças em um aeroporto de Paris (as que nos vestiam) exige raro talento.
Quando Peter Sellers faz sua entrada inglória na festa de "Um Convidado Bem Trapalhão" (dá para encontrar no YouTube em busca por "the white shoe in the party"), deixando cair numa fonte um de seus sapatos, antes que consiga atravessar a ponte sobre a água até a sala onde estão os outros convidados, é reconhecível na seqüência o cúmulo do padrão que domina o cotidiano de nossa gente.
Tal talento, aplicado a diálogos telefônicos noturnos, engendra confissões que fazem o prato desabar do graveto em que precariamente o mantínhamos girando. Palhaços sem a graça de uma bela trapezista, pedimos desculpas ao respeitável público e sumimos de cena num Fusca que tem margaridas tapando o escapamento, certos de que um passeio conosco é menos atraente do que se pendurar com a trapezista no poleiro.
Mas o que você realmente quer saber, após esse preâmbulo sentimentalóide, é como perdi as calças (as que eu vestia) no aeroporto de Paris. Posso te ligar entre 4h e 5h da madrugada e contar a história.
"Não é bonita, mas me faz rir", é o que dizem.


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