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LIVROS/LANÇAMENTOS
"ENY E O ÚLTIMO GRANDE BORDEL BRASILEIRO"
Biografia descreve trajetória de influente figura pública da cidade
Obra visita a Casa de Eny, cafetina de Bauru
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Na entrada de Bauru, uma estrada de terra, com a placa Eny's
Bar, viu circular todo o tipo de
gente. Alguns passavam por curiosidade, como o dramaturgo
Mauro Rasi. Outros iam pedir votos, como o presidente Jânio Quadros. Mas a maioria ia em busca
de um desejo íntimo: o sexo pago.
Ao final da estrada, a Casa de
Eny, com um vasto quintal e uma
piscina no formato de violão, costumava ser sobrevoada por helicópteros com curiosos.
Eny Cezarino comandou até o
ano de 1982 a invejável estrutura:
40 quartos, saunas, restaurante,
bares e salões de festas, tudo ciceroneado por mulheres de vida nada fácil.
Sua vida agora é contada em
"Eny e o Último Grande Bordel
Brasileiro", uma biografia romanceada feita pelo jornalista Lucius
de Mello, 38 -ex-repórter da
Globo e atualmente no SBT-,
autor de "Um Violino para os Gatos" (1987).
Foram dez anos de pesquisa sobre o submundo da prostituição e
a saga da família italiana Cezarino, cujo patriarca desembarcou
no Brasil num navio infestado pela cólera, surpreendeu-se com leilões de escravos na Estação da Luz
e por aqui ficou.
Sua descendente, Eny Cezarino,
uma garota criada para se casar,
seguiu um rumo inesperado. Fugiu de casa, trabalhou como prostituta em São Paulo, frequentou
baladas do Cassino da Urca, prostituiu-se em bordéis de Porto Alegre e Paranaguá, até ser convidada para montar seu próprio negócio na promissora Bauru.
"Quando cheguei em Bauru,
muitos moradores vinham me
contar fatos da vida da cafetina.
Os mais antigos falavam dela com
um certo orgulho. Lembravam
que, apesar da profissão, ela ajudava muita gente", diz Mello, que
trabalhou na cidade.
Elegante e educada, Eny aprendeu os macetes do negócio, como
tratar bem os clientes e as sementes de sua horta, transformando-se numa figura pública envolvente. Seu maior prazer era ir ao correio todos os meses, para enviar dinheiro à família.
"As histórias sobre ela e suas
meninas corriam de boca em boca como lenda. Ouvi até dizer que,
pelo envolvimento político que
teve, ela foi uma espécie de embaixatriz da cidade. Entrevistei
quase 50 pessoas, entre familiares,
prostitutas, ex-prostitutas, ex-funcionários, delegados, empresários, políticos, artistas e moradores da cidade."
Como uma audaciosa mulher
de negócios, Eny Cezarino conseguiu construir um império de 26
imóveis, mas morreu pobre, em
24 de agosto de 1987, aos 69 anos,
numa cama de hospital.
Outros tempos
"As prostitutas daquele tempo,
por serem rotuladas pela igreja
como grandes pecadoras, despertavam os olhares, eram apontadas
nas ruas, atraíam a atenção de homens e mulheres. Acho que por
isso faziam questão de ser estrelas
desse espetáculo social com muito glamour", conta Mello.
Nas zonas, havia fiscais sanitários e médicos que vigiavam
clientes e profissionais. Além disso, as prostitutas eram cadastradas pela polícia.
"Havia autoridades que diziam
que elas eram protetoras das famílias. Era importante garantir
trabalho, porque, além de divertirem os homens, acabavam protegendo a virgindade das senhoritas
da sociedade", explica o autor.
Seu livro defende a tese que o
sucesso da cafetina era também
devido às suas relações com políticos. Eny Cezarino era um cabo
eleitoral disputado e uma eficiente captadora de recursos. Seu segredo era a discrição. Grande parte da sua clientela saída de São
Paulo enfrentava 350 km de estrada para usufruir uma noite de
prazer em Bauru.
"Não posso afirmar que Jânio
foi amigo de Eny. Não acredito
que tenha sido. Segundo o ex-deputado Nicola Avalone Jr., Jânio
esteve com ela no bordel uma única vez, durante o dia, numa visita
muito rápida e exclusivamente
política. Jânio estava em campanha e sabia da fama da cafetina e
da força que tinha", conta.
De acordo com o livro, Jânio entrou exageradamente preocupado com a própria imagem e disse
que não sabia que em Bauru existiam áreas palacianas: "O que
meus inimigos vão dizer, quando
souberem que estive aqui, que me
embriaguei ou me apaixonei", teria dito o presidente.
Segundo o autor, hoje a sociedade é mais tolerante com a prostituição e os clientes são captados
por outros meios, como a internet, o telefone e os jornais.
"À época da Eny, a dona do bordel conjugava com mãos de ferro
o verbo "cafetinar", tinha que participar de tudo, transitar à noite
entre os clientes percebendo os
desejos, administrando libidos,
vendendo prazer. Hoje, os donos
de bordéis já não exercem mais
esse papel com o mesmo empenho", completa.
ENY E O ÚLTIMO GRANDE BORDEL
BRASILEIRO - autor: Lucius de Mello.
Editora: Objetiva. Quanto: R$ 33,90 (292
págs.).
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