São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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URBANISMO

Projeto no "Cebolinha", encomendado a Amélia Toledo pela prefeitura, deve ser concluído no fim de setembro

Cegueira inspira praça de esculturas em SP

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A artista plástica Amélia Toledo já criou com lápis, pincel, calandra, torno, revólver de pintura e computador. Aos 75 anos, estreou um novo instrumento. "Estou trabalhando com guindaste", anuncia, com voz e riso de menina traquinas. A mudança de instrumental foi imposta pela escala em que trabalha -uma praça com cerca de 8.000 m2, sob os elevados junto ao parque Ibirapuera, conhecido como "Cebolinha", na zona sul de São Paulo.
O guindaste é usado para movimentar as pedras com as quais Amélia constrói um jardim de esculturas. O trabalho vai consumir cerca de 250 toneladas de granito, mármore e quartzo, entre os cerca de 20 tipos de pedras que compõem a matéria da artista. São pedras cujo peso varia de duas a sete toneladas.
Elas são polidas, quase sempre numa única face, para realçar uma característica natural que estava escondida ou pouco visível, seja ela cor ou forma.
"É como uma viagem ao centro da Terra", compara a artista. "É o "Praça das Cores no Escuro': uma coleção das cores que existem guardadas debaixo do chão. Todo mundo não tem uma coleção de pedrinhas? A cidade também vai ter a sua."
O projeto é bancado pela prefeitura de São Paulo, que gastou R$ 210 mil nele -só para comparar: a pavimentação de 1 km de uma pista com 12 m de largura custa cerca de R$ 600 mil. Se o cronograma for cumprido, deve ser concluído em 30 de setembro.
O jardim é um daqueles milagres que conseguem passar não só incólume de uma administração para outra, mas melhorado.
Em 1999, sob a gestão do prefeito Celso Pitta (hoje no PTN), Amélia recebeu um convite da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) para dar um tratamento cromático aos elevados.
Empreitadas públicas não eram exatamente novidade para a artista. Entre 1996 e 1998, ela havia feito o projeto de cores e de acabamento para uma estação de metrô no Rio, a Arcoverde, projetada pelo arquiteto João Batista Martinez Corrêa, irmão do diretor de teatro José Celso.
Amélia imaginou que as estruturas de metal sob as pistas fossem pintadas com tinta automotiva. Sugeriu um pigmento novíssimo, chamado Varioclon, porque propicia cores instáveis, que mudam de tom conforme o ponto de observação. Os metais estão sendo pintados em tons de verde, roxo, violeta e dourado, para dar a sensação de leveza ao viaduto, como diz a artista.
A parte maior do projeto, o jardim de esculturas, nasceu quase por acaso. A Emurb pediu um projeto para evitar que os sem-teto construíssem abrigos sob os elevados, e Amélia sugeriu as esculturas em pedra colocadas exatamente na área sombreada da pista -não havia jardim.
A proposta do jardim nasceu no ano passado, na administração de Marta Suplicy (PT). A nova ordem, vinda da Emurb, era: "Esquece essa história de mendigo". "É claro que temos que nos preocupar com os sem-teto numa obra como essa, mas não é a arte que vai resolver isso", diz o arquiteto Sérgio Marin, 45, coordenador de paisagismo e meio ambiente da Emurb.

Cores no escuro
Na praça, Amélia não barateou um milímetro da poética que vem criando desde o final dos anos 60, na qual estabelece um diálogo com elementos da natureza, como conchas, areia e pedras.
O conceito da praça nasceu há três anos, quando um oftalmologista diagnosticou que Amélia ficaria cega em três meses. Parece um conto de Borges, mas é uma obra tipicamente ameliana.
"O veredicto médico me deixou maluca. Imagina, ficar cega em três meses. Fiquei obcecada com essa idéia, pensei tanto nisso que descobri que a imaginação vê luz. Aí, imaginei o "Parque das Cores no Escuro", algo que mostrasse aquilo que existe guardado no escuro", conta.
O conceito pode parecer complexo, mas a obra não tem nada de enigmática. "Estas são as pedras jacaré", diz Amélia, apontando para um pedaço de mármore marrom que tem o formato de um jacaré. "Esta é o divã", anuncia, ao lado de um bloco de quartzo com o formato de um divã. "Essa aqui é uma onça azul", descreve, ao lado de um granito com manchas pretas.
"As nuvens são para deitar em cima", conta, apontando para um bloco de granito baiano azul com mais de dois metros de comprimento. "São como espelhos do céu, como as poças d'água que refletem as nuvens."
Conseguir as pedras é um dos trabalhos mais complexos. São todas do Nordeste, principalmente do norte da Bahia. Amélia conta ter "um farejador de pedras por lá" e mais não diz.
Amélia diz que o jardim é um tributo a duas pessoas que a ensinaram a ver que uma pedra não é só uma pedra, a partir de leituras que faziam de "Os Sertões", de Euclydes da Cunha, no qual a força do sertanejo é comparada à resistência do granito. Eram eles o seu marido, o engenheiro Eustáquio Toledo Machado Filho (1917-1973), e o amigo e ensaísta Roberto Ventura (1957-2002), pesquisador de Euclydes, morto no último dia 14 de agosto, num acidente de carro.



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