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URBANISMO
Projeto no "Cebolinha", encomendado a Amélia Toledo pela prefeitura, deve ser concluído no fim de setembro
Cegueira inspira praça de esculturas em SP
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A artista plástica Amélia Toledo
já criou com lápis, pincel, calandra, torno, revólver de pintura e
computador. Aos 75 anos, estreou
um novo instrumento. "Estou
trabalhando com guindaste",
anuncia, com voz e riso de menina traquinas. A mudança de instrumental foi imposta pela escala
em que trabalha -uma praça
com cerca de 8.000 m2, sob os elevados junto ao parque Ibirapuera,
conhecido como "Cebolinha", na
zona sul de São Paulo.
O guindaste é usado para movimentar as pedras com as quais
Amélia constrói um jardim de esculturas. O trabalho vai consumir
cerca de 250 toneladas de granito,
mármore e quartzo, entre os cerca
de 20 tipos de pedras que compõem a matéria da artista. São pedras cujo peso varia de duas a sete
toneladas.
Elas são polidas, quase sempre
numa única face, para realçar
uma característica natural que estava escondida ou pouco visível,
seja ela cor ou forma.
"É como uma viagem ao centro
da Terra", compara a artista. "É o
"Praça das Cores no Escuro': uma
coleção das cores que existem
guardadas debaixo do chão. Todo
mundo não tem uma coleção de
pedrinhas? A cidade também vai
ter a sua."
O projeto é bancado pela prefeitura de São Paulo, que gastou R$
210 mil nele -só para comparar:
a pavimentação de 1 km de uma
pista com 12 m de largura custa
cerca de R$ 600 mil. Se o cronograma for cumprido, deve ser
concluído em 30 de setembro.
O jardim é um daqueles milagres que conseguem passar não só
incólume de uma administração
para outra, mas melhorado.
Em 1999, sob a gestão do prefeito Celso Pitta (hoje no PTN),
Amélia recebeu um convite da
Emurb (Empresa Municipal de
Urbanização) para dar um tratamento cromático aos elevados.
Empreitadas públicas não eram
exatamente novidade para a artista. Entre 1996 e 1998, ela havia feito o projeto de cores e de acabamento para uma estação de metrô
no Rio, a Arcoverde, projetada
pelo arquiteto João Batista Martinez Corrêa, irmão do diretor de
teatro José Celso.
Amélia imaginou que as estruturas de metal sob as pistas fossem pintadas com tinta automotiva. Sugeriu um pigmento novíssimo, chamado Varioclon, porque
propicia cores instáveis, que mudam de tom conforme o ponto de
observação. Os metais estão sendo pintados em tons de verde, roxo, violeta e dourado, para dar a
sensação de leveza ao viaduto, como diz a artista.
A parte maior do projeto, o jardim de esculturas, nasceu quase
por acaso. A Emurb pediu um
projeto para evitar que os sem-teto construíssem abrigos sob os
elevados, e Amélia sugeriu as esculturas em pedra colocadas exatamente na área sombreada da
pista -não havia jardim.
A proposta do jardim nasceu no
ano passado, na administração de
Marta Suplicy (PT). A nova ordem, vinda da Emurb, era: "Esquece essa história de mendigo".
"É claro que temos que nos preocupar com os sem-teto numa
obra como essa, mas não é a arte
que vai resolver isso", diz o arquiteto Sérgio Marin, 45, coordenador de paisagismo e meio ambiente da Emurb.
Cores no escuro
Na praça, Amélia não barateou
um milímetro da poética que
vem criando desde o final dos
anos 60, na qual estabelece um
diálogo com elementos da natureza, como conchas, areia e pedras.
O conceito da praça nasceu há
três anos, quando um oftalmologista diagnosticou que Amélia ficaria cega em três meses. Parece
um conto de Borges, mas é uma
obra tipicamente ameliana.
"O veredicto médico me deixou maluca. Imagina, ficar cega
em três meses. Fiquei obcecada
com essa idéia, pensei tanto nisso
que descobri que a imaginação
vê luz. Aí, imaginei o "Parque das
Cores no Escuro", algo que mostrasse aquilo que existe guardado
no escuro", conta.
O conceito pode parecer complexo, mas a obra não tem nada
de enigmática. "Estas são as pedras jacaré", diz Amélia, apontando para um pedaço de mármore marrom que tem o formato
de um jacaré. "Esta é o divã",
anuncia, ao lado de um bloco de
quartzo com o formato de um divã. "Essa aqui é uma onça azul",
descreve, ao lado de um granito
com manchas pretas.
"As nuvens são para deitar em
cima", conta, apontando para um
bloco de granito baiano azul com
mais de dois metros de comprimento. "São como espelhos do
céu, como as poças d'água que refletem as nuvens."
Conseguir as pedras é um dos
trabalhos mais complexos. São
todas do Nordeste, principalmente do norte da Bahia. Amélia conta ter "um farejador de pedras por
lá" e mais não diz.
Amélia diz que o jardim é um
tributo a duas pessoas que a ensinaram a ver que uma pedra não é
só uma pedra, a partir de leituras
que faziam de "Os Sertões", de
Euclydes da Cunha, no qual a força do sertanejo é comparada à resistência do granito. Eram eles o
seu marido, o engenheiro Eustáquio Toledo Machado Filho
(1917-1973), e o amigo e ensaísta
Roberto Ventura (1957-2002),
pesquisador de Euclydes, morto
no último dia 14 de agosto, num
acidente de carro.
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