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30º Mostra de SP
Crítica/"Still Life"
Jia Zhang-Ke observa a China em mutação
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Na saída de "Still Life", o
escritor Bernardo Carvalho manifestava seu
entusiasmo em relação a "Still
Life", com o dedo indicador ostensivamente apontado para
cima. Apontei o meu para o lado, em resposta, significando,
talvez, minha perplexidade
diante da ficção de Jia Zhang-Ke, talvez minhas reticências
em relação a parte do cinema
oriental, chinês sobretudo.
Reticências que o plano final,
com um homem caminhando
na corda bamba, reforçaram:
esse lado meio Fellini introduzido à força ali não me agradava. Com o tempo, porém, "Still Life" revela-se um desses filmes cujas imagens permanecem no espectador.
Primeiro, as histórias: um
homem chega à cidade de
Fengjie em busca da filha e da
ex-mulher. Em vez delas, encontra inundada a rua onde
moravam. A cidade toda está
em demolição para a construção de uma barragem gigantesca. Uma mulher chega à cidade em busca do marido, que não vê
há dois anos. Ela tem o número
do celular dele, mas falta-lhe
um número (nesse mundo sem
comunicação parece que todo
mundo tem um celular). O homem não consegue encontrar a
filha e a ex-mulher. A outra mulher usa de mil intermediários,
mas o marido escapa-lhe. É um
homem que trabalha muito.
No meio disso, há uma cidade
que se desmonta, a poder de demolições ou implosões, tudo
ordenado por uma grande companhia, dirigida por uma mulher. É o novo capitalismo, embora as ordens sejam do Estado
e a ele sejam dirigidas as queixas. De vez em quando, numa
TV, desfilam imagens de líderes chineses: Mao, Deng.
Tudo passa, pelo jeito, sem
que o sentido se fixe nunca. Sobretudo o sentido da narrativa,
que se arma, promete ir para
um lado, para depois apagar o
traçado, expor a opacidade:
mais ou menos como as narrativas de Bernardo Carvalho,
justamente. Ou como, em Guimarães Rosa, aquelas pessoas
que correm o mundo atrás de
outras, tanto que no fim a busca
é que importa, mais do que o
encontro.
À medida que o tempo passa,
após a sessão, o filme de Zhang-Ke deixa ver sua solidez: esses
seres desenraizados, esse país
onde o gigantesco geográfico
parece engolir as pessoas, às
voltas com problemas enormes, a mudança permanente (e
não raro radical) de opções, o
crescimento, o progresso, convivendo com heranças arqueológicas ou culturais que não se apagam: tudo está lá, tudo controlado, submetido a um olhar
muito forte.
STILL LIFE
Direção: Jia Zhang-Ke
Quando: hoje, às 17h30, no Cinesesc
(r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3064-1668
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