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Crítica Documentário 'Não filme' de Jafar Panahi opõe rotina banal à arbitrariedade do regime no Irã RICARDO CALILCRÍTICO DA FOLHA Com "Isto Não é um Filme", o iraniano Jafar Panahi conseguiu um feito raro: realizar uma obra em que a modéstia de recursos e as limitações impostas ao cineasta são inversamente proporcionais à força da proposta estética e da denúncia política. Cineastas iranianos vêm sendo perseguidos pelo governo de Mahmoud Ahmadinejad. Diretor de filmes críticos ao regime e apoiador da oposição na última eleição, Pahani é um de seus alvos. Ele foi condenado a seis anos de prisão e proibido de dirigir filmes, escrever roteiros, dar entrevistas e deixar o Irã por 20 anos. Enquanto aguardava o julgamento de um recurso, driblou restrições e fez "Isto Não é um Filme" clandestinamente. Panahi se filma falando ao celular, fazendo chá, dormindo. Mostra a outro diretor como havia imaginado realizar seu próximo projeto, proibido pelo governo. Revê seus filmes em DVD e se compara aos personagens. Desespera-se e ironiza sua situação. É possível imaginar um documentário político mais dramático sobre a situação iraniana (os cineastas Mohsen e Samira Makhmalbaf, pai e filha, foram vítimas de dois atentados a bomba diferentes durante as filmagens). Mas o poder de "Isto Não é um Filme" vem justamente do contraste entre o cotidiano banal de Panahi em seu apartamento e o caráter draconiano, quase surreal, da sentença que tenta deixá-lo imobilizado e impotente. A denúncia política já tornaria o filme essencial. Mas há ainda as virtudes estéticas. Existe um paralelo entre as interdições contra Panahi e as limitações tecnológicas do filme: o cineasta recorre ao digital não por fetiche, mas por necessidade. Ele não pode chamar atenção com um grande aparato, privação que também acaba por enriquecer seu trabalho. Ética e estética não estão divorciadas no filme, como comprova a comovente sequência final, gravada num elevador com um celular. Por fim, "Isto Não é um Filme" filia-se a uma tradição do cinema iraniano contemporâneo que passa necessariamente por Abbas Kiarostami e que coloca em questão os limites entre o real e o encenado, entre vida e cinema. Da experiência, Panahi sai como um cineasta maiúsculo, e Ahmadinejad como um ser diminuto. A própria existência desse "não filme" representa uma vitória do primeiro sobre o segundo, da arte sobre a arbitrariedade. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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