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Crítica conto

'A Palavra Ausente' não revela excelência, mas confirma o talento de Moutinho

Marcelo Moutinho pesa a mão, imprimindo no texto menos a humanidade dos personagens e mais um certo ar de compaixão

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num mercado saturado de lançamentos como é o nosso de hoje, é bem difícil discernir, já durante o voo, o valor de algum autor iniciante.

Em parte porque a literatura anda bem profissional e autores muito jovens já dominam técnicas e repertórios sofisticados, porque aprenderam na faculdade ou acompanharam alguma oficina.

O ponto de partida costuma ser bom, ou mesmo ótimo, mas isso não garante muita coisa durante o correr do processo.

Tendo isso ao fundo, vejamos o caso de Marcelo Moutinho, com seu "A Palavra Ausente". Livro de contos bem escritos, pouca imperfeição formal dá a ver.

Mas também há: em um conto realista, chamado "Céu", a cena crucial, um telefonema, acontece por volta das 15h; mas o personagem que vai ao telefone se deslocava "ao sol poente".

Para este leitor, certo preciosismo vocabular e descritivo incomoda um tantinho, e pode ser que seja sintoma de um formalismo que não raro vem junto com a estética das oficinas.

No enunciado, os contos se ocupam de gente pobre, o que dá ao conjunto um ar de estudo, de coleção de cromos.

O tema não é recente e tem conseguido aparecer com grande qualidade em alguns autores, mormente em Rubens Figueiredo.

POBREZA DA ALMA

Em "A Palavra Ausente" temos, entre os pobres de dinheiro, um faxineiro de quadra de escola de samba, o rapaz do telefonema às 15h e uma camareira de hotel.

E temos também, entre os pobres de espírito, uma velha solteirona, um rapaz que redige textos de cartões de saudação e um menino que quer a todo custo agradar o pai ao jogar futebol.

Tudo certo nessas escolhas; mas o caso é que Moutinho pesa a mão, imprimindo no texto menos a humanidade dos personagens e mais um certo ar de compaixão, que está no ângulo da abordagem do livro.

Os melhores contos lidam com a morte. O primeiro, um relato delicado e preciso da relação de um filho com seu pai já com dificuldades de movimento, na hora de um banho.

O jovem, que é o narrador, deduz que o velho estava pensando que, tempos antes, ele é que dera banho no outro.

O outro conto narra a relação de uma menina com sua dinda; esta, numa hora, proporciona uma maravilhosa viagem para compensar a tristeza da pequena, mas na outra não pode poupar a afilhada do espetáculo de sua doença.

O livro vale, mas no conjunto não revela excelência.

LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na UFRGS e autor de "Filosofia Mínima" (Arquipélago Editorial).

A PALAVRA AUSENTE
AUTOR Marcelo Moutinho
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 29,50 (120 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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