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Christian Boltanski monta sua máquina de vida e morte no Rio

Obra do artista que esteve em Veneza vai à Casa França-Brasil

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Vida e morte andam juntas na obra de Christian Boltanski. Na fábrica que ele construiu no pavilhão francês da Bienal de Veneza, no ano passado, remontada agora na Casa França-Brasil, no Rio, ele transforma a existência num processo industrial.

Fotografias de recém-nascidos deslizam em alta velocidade por esteiras que serpenteiam entre as hastes de um emaranhado metálico.

Uma sirene toca, e a imagem de um desses bebês surge numa tela maior, destacando sua existência -vida, futuro e morte- do anonimato das crianças na esteira.

"Meus trabalhos falam do acaso", diz Boltanski, 67, à Folha. "Fui concebido durante a guerra, num momento difícil, e mesmo assim estou vivo enquanto muitos amigos morreram. É inevitável perguntar por que eu sobrevivi."

De certa forma, toda a obra do artista francês trabalha com perguntas e não respostas, num processo análogo à busca por redenção ou catarse espiritual numa religião.

Sua máquina de vida, no caso, também se contamina de morte. Em meio às imagens de recém-nascidos, o artista mistura retratos de mortos publicados em obituários de jornal, criando seres híbridos -natimortos fabricados da fusão dos que nem começaram a vida e aqueles que tiveram fim trágico ou não.

Sem replicar nenhum traço de dor, Boltanski constrói agora em Hiroshima, no Japão, uma espécie de monumento à memória. Ele gravou em pontos tão distantes quanto Finlândia e Argentina as batidas do coração de cerca de 40 mil pessoas.

Essas gravações podem ser ouvidas acionando um computador na cidade atingida pela bomba atômica, uma jukebox tétrica que rememora a presença de um desaparecido a partir do áudio de seus sinais básicos de vida.

"É impossível reaver uma pessoa", diz Boltanski. "Mas quis fazer algo num lugar muito bonito onde fosse possível relembrar qualquer um por esse traço de sua presença, já que o coração é uma ideia de vida. É possível ouvir os batimentos cardíacos mesmo de alguém já morto."

Mas para ouvir é preciso ir até Hiroshima. Boltanski também trabalha sempre com a ideia de peregrinação.

Numa obra mais autobiográfica, o artista tem gravado imagens de seu ateliê em Paris nos últimos dois anos e enviado todas as cenas a uma caverna na Tasmânia, na costa australiana. Ele sabe que toda sua memória está lá, mas acessível só ao colecionador que a "comprou".

Ninguém precisa ver tudo isso para saber que ele existe ou que existiu. Do mesmo jeito que a crença religiosa não depende de sinais empíricos.

CHRISTIAN BOLTANSKI
QUANDO abre amanhã, às 19h; ter. a sáb., das 10h às 20h; até 8/7
ONDE Casa França-Brasil (r. Visconde de Itaboraí, 78, Rio, tel. 0/xx/21/2332-5120)
QUANTO grátis

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