Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Marcelo Coelho

Liguem o "neuralizador"

Em filmes de ficção científica como "Homens de Preto", a tecnicalidade existe para ser esquecida

"Cuidado! O ionoscópio no reverso irá abrir uma fratura hiperdimensional na estação galáctica." "Como assim? Você não acionou o dispositivo de cromopulverização?" "Seria muito arriscado! Não podemos produzir uma combustão na nave dos preclitorianos!"

Quem gosta de filmes de ficção científica não se incomoda com esse tipo de conversa, feita expressamente para não ter sentido nenhum.

Em "Homens de Preto 3", a falação pseudotecnológica dá oportunidade para uma brincadeirinha sutil, já conhecida de quem é fã dessa série. Uma pequena multidão no bairro chinês assiste a um embate com extraterrestres. A memória da cena terá de ser apagada.

O agente J (Will Smith) convoca os passantes para a demonstração de uma nova geringonça eletrônica. É o famoso "neuralizador".

J e seu companheiro, o agente K (Tommy Lee Jones), combinaram de expor para a pequena plateia, em várias frases complicadíssimas, os princípios técnicos do aparelho. O próprio Will Smith tem preguiça de repeti-las. Qualquer coisa serve, afinal. Enuncia algumas palavras sumárias, liga o "neuralizador" e, pronto, ninguém mais se lembrará de nada.

É exatamente esse o efeito de toda pseudociência nos filmes do gênero. A tecnicalidade existe para ser esquecida imediatamente.

Equivale àquela quantidade imensa de nomes de personagens nos antigos filmes policiais, que meu microprocessador cerebral é sempre incapaz de gravar.

"Ele então era sócio de Bob Stevenson?" "Sim, mas antes de passar o segredo para Terence Grumper, ele sabia que Mac Owen ia chantageá-lo." Nessa hora, o detetive B aparece com uma pergunta inquietante. "Mas então... quem era Bob Stevenson?" Eu também gostaria de saber. Ou melhor, não.

Aprende-se depressa que o público desses filmes não está ali para pensar. É preciso passar pela falação numa espécie de espírito zen, com o "neuralizador" ligado.

No caso de "Homens de Preto 3", estou sendo um pouco injusto. É claro que a grande alegria está em ver qual a forma, cada vez mais absurda, dos ETs inventados no filme.

Hesito entre o peixão balofo, com cara de "loser", e a garçonete chinesa, apavorada com os monstros que vê -pelo menos antes de partir, ela própria, para o ataque.

Seja como for, o filme tem roteiro engenhoso (ainda que com os velhos paradoxos da viagem no tempo), além de um monstro-vilão memorável. Trata-se de alguém não apenas horrível e violento, mas capaz daquela característica que torna os vilões divertidos de tão malvados: a baixeza imprevista.

É como se o mal não fosse apenas uma questão de instintos egoístas e de crueldade, mas de insuficiência mental e espiritual. Menos do que a sombra, retrata-se uma escuridão obtusa na mente do malfeitor. Comparado a Boris, o Animal, de "Homens de Preto 3", o arquivilão de "Os Vingadores", Loki, é uma personagem de segunda ou terceira ordem.

Certo, os super-heróis da Marvel têm a peculiaridade de serem eles próprios, muitas vezes, seus piores inimigos. Nem é preciso falar da luta de Bruce Banner contra a própria fúria. Dito isso, o sucesso do filme é mais ou menos um mistério para mim.

"Os Vingadores" bate recordes de bilheteria abusando, até o aborrecimento, de falações tecnológicas que os atores recitam com um prazer irônico que me escapa. A cena da batalha final é interminável, ressentindo-se da disparidade de poderes entre os super-heróis envolvidos.

Um deles não faz mais do que atirar flechinhas contra a infantaria alienígena, ao passo que somente Hulk pode enfrentar o supercetozoário, ou hipercrotalodonte, não sei bem, que desce do espaço.

Não é pouca coisa para um roteirista conciliar toda a equipe da Marvel num filme só, e a rivalidade de tantos egos perturbados rende boas, mas longuíssimas discussões, enquanto o mundo está sob ameaça. O resultado é laborioso, repetitivo, no mesmo bangue-bangue galáctico que esgota a saga de "Guerra nas Estrelas".

O marketing, tão esmagador e poderoso como 200 naves-mãe alienígenas, atacou as emissoras de TV muitas semanas antes de "Os Vingadores" entrar em cartaz.

Para mim, pelo menos, esqueceram um detalhe importante. Seria bom que distribuíssem, com os óculos 3D, um "neuralizador" para quem entra no cinema. Qualquer dia inventam isso de verdade.

coelhofsp@uol.com.br

AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Contardo Calligaris

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.