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Crítica antologia "Ficção Completa" apresenta universo de mistérios e utopias de Bruno Schulz MANUEL DA COSTA PINTOCOLUNISTA DA FOLHA Bruno Schulz (1892-1942) foi assassinado por um nazista no gueto que confinou os judeus de sua cidade natal, Drohobycz, na Polônia, durante a Segunda Guerra. Com ele, desapareceram vários inéditos, incluindo um romance do qual se conhece apenas o título: "Messias". Restaram as narrativas messiânicas reunidas em "Ficção Completa": os livros "Lojas de Canela" e "Sanatório sob o Signo de Clepsidra", acrescidos de quatro contos, apresentação do poeta Czeslaw Milosz, trechos do diário de Witold Gombrowicz e belo posfácio do tradutor Henryk Siewierski. Schulz compõe, com Gombrowicz e Stanislaw Witkiewicz, uma tríade de grandes escritores judeus poloneses do século 20. A crítica o aproxima de Franz Kafka, pela atmosfera de estranhamento consubstanciada no ponto de vista parcial: personagens ocupadas com mazelas que explicitam, por contraste, mistérios (teológicos, políticos) que não compreendem. Porém, onde Kafka é inóspito, com parábolas em estilo protocolar, Schulz é voluptuoso, apresentando uma escrita repleta de reminiscências sensoriais e resquícios de utopia religiosa. "Lojas de Canela" pode ser lido como romance ou sequência de quadros em que um mesmo narrador visita espaços de degradação moral (mulheres de "fertilidade insaciada") e econômica (a vulgaridade descrita em "A Rua dos Crocodilos"). MORTO-VIVO Mas a figura catalisadora é o pai demente (avesso do autoritário pai kafkiano), que coleciona pássaros até ser banido para o sótão da alfaiataria familiar, onde se transforma num morto-vivo, bicho empalhado que profere tratados sobre os demiurgos que instilam vida em manequins -versões rebaixadas do Golem, o homem de barro da mitologia rabínica. Em "Sanatório sob o Signo de Clepsidra", o universo das "lojas de canela" (cujas quinquilharias são imantadas por uma memória que resiste à corrupção do tempo) adquire tom alegórico no capítulo ou conto inicial, "O Livro". Seu "alter ego" desenha (como o próprio Bruno Schulz, autor das ilustrações que fazem parte de "Ficção Completa") fragmentos de plenitude antes de prosseguir nas "aproximações terrestres" de uma verdade que "O Cometa" (conto sobre a passagem do Halley, em 1910) revela ser derrisória para quem é surdo a "um rapsodo digno dessa epopeia", dessa épica de desvalidos à espera do Messias.
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