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Crítica / Biografia

Livros relembram participação do Brasil na Segunda Guerra com frescor intimista

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Um tesouro estava escondido nas gavetas de um piloto do caça americano P-47 Thunderbolt da Segunda Guerra Mundial, o brasileiro Fernando Corrêa Rocha (1921-2008).

Sua filha o encontrou e agora saem publicadas as cartas que Rocha enviou ao Brasil durante o treinamento nos EUA e o combate na Itália.

E outro tesouro, este já conhecido, ganha sua quarta e definitiva edição, revista pelo autor, outro piloto do 1º Grupo de Caça e seu principal cronista, Rui Moreira Lima.

Tive o prazer de conhecer pessoalmente os dois. Estudei com Rocha na Faculdade de Direito da USP.

Com Moreira Lima, partilhei vários copos de vodca em seu apartamento em Copacabana (um dos melhores momentos do livro é o porre que ele tomou em uma base de aviadores poloneses em que precisou pousar).

São uma geração única. Conhecer o que fizeram é importante; a palavra soa gasta e piegas, mas é correta: é patriótico. Eles arriscaram a vida para combater o nazismo.

Vários morreram; outros foram abatidos pela artilharia antiaérea e tornaram-se prisioneiros ou fugitivos em território inimigo.

Em 1945, o cemitério da FEB (Força Expedicionária Brasileira) em Pistóia, Itália, tinha 451 brasileiros enterrados -443 da FEB e oito aviadores do 1º Grupo de Caça.

Por falta de planejamento do Ministério da Aeronáutica, não houve substituição dos pilotos perdidos nem dos que já tinham voado muito -o recordista, Alberto Martins Torres, completou 99 missões de combate.

HISTÓRIA ÍNTIMA

As cartas de Rocha têm o frescor de textos íntimos, que não foram planejados para serem publicados. O crítico literário Antonio Candido, casado com uma irmã de Rocha, Gilda, chama o piloto de "um herói discreto".

As cartas são na maioria enviadas a seus pais e outros parentes, em São Paulo ou Araraquara, interior do Estado.

"As cartas publicadas aqui têm valor singular como documento sobre a guerra aérea e como revelação de uma personalidade timbrada pelo poder de decisão que destaca os líderes", escreveu Candido em uma introdução ao livro.

"Elas são despretensiosas, tendo a espontaneidade de quem deixa a pena correr sem segundas intenções, guiada pela naturalidade do diálogo com os pais", segue o crítico.

A mãe de Rocha deveria ter sobressaltos cada vez que recebia uma carta do aviador.

Por exemplo, "quatro horas antes da rendição inimiga, e desempenhando a 75ª e última missão de guerra, um dos projeteis que atingiram o meu Thunderbolt atravessou a cabine de lado a lado, errando minha elegante cabeleira por um ou dois centímetros", escreveu ele para os pais em 7 de maio de 1945.

"Mas o alemão não mirou bem, pois eu consegui voltar para a base completando minha 75ª missão de guerra sem um ferimento pessoal e sem nunca ter sido abatido".

Que mãe leria um relato como esse com prazer?

O Grupo de Caça do Brasil era dividido em quatro esquadrilhas: vermelha, amarela, azul e verde.

A amarela, à qual Rocha pertencia, teve tantas baixas que os sobreviventes tiveram que ser divididos em duas outras igualmente desfalcadas.

O colega Moreira Lima fez 94 missões de combate. Não foi ferido, mas seu avião costumava voltar em frangalhos.

"Com ele pousei sem rodas em duas ocasiões, por culpa dos artilheiros alemães. Aterrei de barriga -belly landing - como denominávamos esse tipo de aterragem", escreveu Moreira Lima.

"De outra feita, levou chumbo no canopy (bolha de plástico que protege o piloto de caça), obrigando-me a ejetá-lo", segue o piloto.

Moreira Lima foi cassado pelo regime militar por ser contra o golpe de 1964, mas, com a volta da democracia, foi promovido a brigadeiro.

Um dos melhores momentos do livro não é dele, mas de seu pai, um desembargador, que ele chama de "'vade-mécum' de minha vida militar".

Eis um pequeno trecho: "Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças de que a força somente deve ser empregada ao serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das Forças Armadas".

CARTAS DE UM PILOTO DE CAÇA
AUTOR Fernando Corrêa Rocha
EDITORA Ouro Sobre Azul
QUANTO R$ 98 (256 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

SENTA A PUA - A FAB NA 2ª GUERRA MUNDIAL
AUTOR Rui Moreira Lima
EDITORA Action
QUANTO R$ 80 (760 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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