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Diário de Buenos Aires

O MAPA DA CULTURA

Périplo portenho

À procura de pérolas nas bancas de rua

DAMIÁN TABAROVSKY

tradução CLARA ALLAIN

Um dos passeios imperdíveis de Buenos Aires está na rua: são as bancas de revistas e jornais da cidade. No centro, ficam abertas por 24 horas e ocupam grande parte da calçada. Vivi nesse bairro durante anos (na avenida de Mayo, a mais bela da cidade).

O dono da banca já conhecia meus gostos e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, já me dava revistas de literatura, de cultura, de política. Nós, escritores, somos assim: animais previsíveis. O centro também tem muitas livrarias de saldos (livros novos ou quase novos, vendidos pela metade do preço ou ainda menos).

Quem visitar as livrarias de saldos da avenida Corrientes ou da já mencionada avenida de Mayo verá pilhas de exemplares de números antigos da revista "Confines".

Cada número tem cerca de 200 páginas, com ensaios cruciais para entender a cultura argentina contemporânea. Ela começou a sair em 1993 e continua até hoje, duas ou três vezes por ano. Devo dizer que tenho a coleção completa. Ou, melhor dizendo, me faltava apenas uma edição: a 18 (junho de 2006). Acabo de consegui-la em uma dessas livrarias. Bingo.

CRÍTICA CULTURAL

Em muitas dessas bancas do centro se consegue também o último número da "El Ojo Mocho". Ou, melhor dizendo, o número de relançamento da revista: idealizada por Horacio González (atual diretor da Biblioteca Nacional e intelectual fundamental na vida cultural portenha), nos anos 90 "El Ojo Mocho" foi a revista mais interessante de ensaios políticos, crítica cultural e pensamento literário da Argentina (ao lado de "Punto de Vista", a concorrente, dirigida por Beatriz Sarlo).

As entrevistas longas, longuíssimas (de 20 páginas) eram sua marca registrada, sua carteira de identidade. Além disso, eram muito boas. Enquanto "Punto de Vista" defendia um pensamento social-democrata, reformista e moderno tardio, "El Ojo Mocho" propagava uma ideologia de um populismo erudito, com o perdão do paradoxo. Dessa tensão se nutriu boa parte do ensaísmo argentino.

Mas, depois, como tudo o que é bom na vida, a revista terminou. Talvez porque González tenha ficado preso na gestão de governo, ou sabe-se lá por quê. Agora, porém, ela acaba de reaparecer, com González em papel secundário e uma equipe de jovens entusiastas. Mas com o mesmo espírito crítico.

AO PIANO

Acredito, sem exagerar, que este é o melhor momento da história do jazz em Buenos Aires. Pela primeira vez em anos há uma leva de músicos que tocam bem, eu diria muito bem, ou, melhor ainda, excelentemente bem.

Pela primeira vez há um grupo numeroso de músicos que poderiam estar tocando em qualquer bom clube de Nova York (de fato, vários o fazem) sem destoar. E, se ainda faltam bons compositores, sobram instrumentistas de alto nível. Ernesto Jodos, no piano, é sem dúvida o melhor de todos, aquele que abriu o caminho.

Devo tê-lo visto tocar ao vivo umas 30 vezes (em clubes como o Notorius ou o Thelonius Bar), e toda vez ele chegou quase à perfeição. A versão que ele faz de "Contra Todos los Males de Este Mundo", de Luis Aberto Spinetta (histórico roqueiro argentino), em seu disco "Perspectiva", é decididamente genial. Mas, reconhecendo seu talento, devo dizer que meu coraçãozinho pende para o lado de Paula Shocron (myspace.com/paulashocron), também pianista. Menos perfeita, com certeza, mas mais imprevisível.

Seu disco recente "Homenaje", em formato de trio, costuma me acompanhar quando viajo, penso, escrevo e, também, enquanto redijo este diário.

A POESIA EM DIÁRIO

Depois de ler "Confines" e "El Ojo Mocho", e sempre ouvindo jazz, recomendo vivamente a leitura do último número do "Diario de Poesia". Com mais de 20 anos de vida, o "Diario", como é conhecido habitualmente, é a revista-chave no cenário da poesia latino-americana das pós-ditaduras.

Dirigido por Daniel Samoilovich (ele próprio poeta), já ocupa um lugar mítico na cidade. Mas mítico não é sinônimo de morto: o "Diario de Poesia" continua a ser um lugar de debates, polêmicas e descobrimentos.

Seus dossiês (habitualmente dedicados a um poeta ou a um tema) são imperdíveis. E mais: encerro por aqui, assim posso ir ler alguns poemas.

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