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Diário de Buenos Aires

O mapa da cultura

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Os talentos de viúva

Dizei uma só palavra e serei processado

DAMIÁN TABAROVSKY
TRADUÇÃO CLARA ALLAIN

María Kodama é célebre por três razões:

1) Ser a proprietária dos direitos da obra de Jorge Luis Borges (casou-se com o escritor bem no final da vida dele);

2) Não possuir nenhum talento, pelo menos que seja conhecido;

3) Ter dedicado parte de seu tempo e, suponho, sua fortuna, a processar diferentes editoras de todo o mundo, por razões quase sempre ignóbeis.

Enquanto os livros de Borges são publicados em castelhano por duas poderosas multinacionais (as editoras Planeta e Random House Mondadori), Kodama gasta suas energias tentando processar Pablo Katchadjian, jovem escritor argentino nascido em 1977.

Há dois anos, Katchadjian lançou um livro intitulado "El Aleph Engordado" (recordemos que "El Aleph" é um dos contos mais famosos de Jorge Luis Borges), numa edição de apenas 200 exemplares, de uma editora muito pequena especializada em poesia.

No livro, ele retoma o conto de Borges, acrescentando outro início e outro fim. Grave delito, ao que parece!

A notícia circula em Buenos Aires de boca em boca, mas poucos intelectuais se animam a dar sua opinião em público, imagino que por medo: os advogados de Kodama são rapazes muito malvados. (A continuar.)

ABSTRAÇÃO COLOSSAL

Longe das trivialidades literárias, mas não muito longe do centro da cidade, no Centro Cultural Recoleta, está sendo realizada até o início de abril uma exposição do tipo que marca o campo da arte.

É a última mostra da Pablo Siquier, nascido em 1961, um dos artistas argentinos de maior projeção internacional (e que importância tem isso?).

O que importa é que Siquier vem desenvolvendo de modo singular uma obra que repensa a relação entre abstração, mundo geométrico e espaço público.

Obras de Siquier se encontram na estação de metrô Nueve de Julio (a maior da cidade), mas também em muros, em espaços fora do habitual. Agora ele apresenta uma série de obras, entre elas uma enorme instalação de várias toneladas de ferro talhado com figuras geométricas. Veja uma seleção de trabalhos do artista em folha.com/no1059002.

A CIDADE MAIS FEIA

E, por falar em carreiras internacionais, poucas são mais merecidas que a de Martín Kohan, que, depois de ganhar o cada vez menos prestigioso Prêmio Herralde de romance (da editora Anagrama, da Espanha) e ser traduzido para muitas línguas (entre elas o português), reaparece com um romance magistral, inteligente e irônico, intitulado "Bahía Blanca".

O livro começa com esta frase antológica: "Nenhuma pessoa que eu conheço jamais disse algo de bom sobre Bahía Blanca". É verdade: poucos lugares no mundo são tão feios e tristes e também tão fascistas quanto essa cidade situada a quase 700 quilômetros ao sul de Buenos Aires.

Mas Kohan deu um jeito de escrever um romance de anti-heróis perdidos entre o vento gélido do mar e o começo da Patagônia.

A Anagrama teve a delicadeza de imprimir o romance na Argentina (em vez de importá-lo da Espanha), de modo que o preço do livro é acessível.

REVISTAS E LIVROS

Como uma criança educada, que come primeiro o prato salgado e guarda a sobremesa para o final, encerro com minha melhor recomendação: a edição fac-similar (em quatro tomos!) da revista "Los Libros". Publicada pela Biblioteca Nacional entre 1969 e 1976 (interrompida pelo último golpe de Estado), a revista ocupa um lugar-chave em nossa história cultural.

Começou sendo a grande divulgadora do estruturalismo e pós-estruturalismo, a grande modernizadora do debate literário, mas foi mudando ano após ano, até que uma espécie de golpe interno (que substituiu seu fundador por um comitê composto por vários escritores e intelectuais hoje prestigiados, cujos nomes não revelarei por questão de decoro) a empurrou em direção ao maoísmo; ela então suspendeu a crítica de livros ("atividade burguesa") e a discussão estética para integrar-se à prática política revolucionária.

A "Los Libros" expressa, como uma espécie de Aleph -ou seja, como um ponto através do qual se podem ver todos os pontos do mundo-, o processo de radicalização política do campo intelectual no final dos anos 1960 e meados da década de 1970.

Os quatro tomos pesam vários quilos, mas valem a pena.

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