São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2010

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DIÁRIO DO RIO
O MAPA DA CULTURA

50 anos de vida Ok

Liberdade e discrição na Lapa

LUIZ FERNANDO VIANNA

ELES SE REUNIAM em apartamentos, falavam baixo e, na hora de aplaudir, só estalavam os dedos. Foram perseguidos e precisaram se dispersar quando o garrote da ditadura militar apertou.
Mas não eram candidatos a guerrilheiros, militantes políticos, nem militantes de coisa alguma. Queriam é se divertir. O nome já indica a leveza do propósito: Turma Ok.
No próximo 13 de janeiro, serão completados os 50 anos de fundação deste que é, muito provavelmente, o primeiro e mais longevo grupo homossexual do Brasil. Desde 1985 tem sede na Lapa, a principal área boêmia do centro do Rio.
Nada a ver com stripteases de jovens anabolizados, saunas ou boates com música eletrônica. Discreta até hoje, a Turma Ok é do tempo em que gay era "bicha" e não havia "Barbie", mas "boneca" mesmo. A ideia, no início, era "fazer uma agregação social, existir um pouco", como disse um dos pioneiros ao antropólogo Rogério da Silva Martins Costa, autor de trabalhos sobre a turma.
As reuniões começaram em apartamentos porque, em 1961, era pouco viável que homens expressassem publicamente sua preferência por outros homens.
Nos encontros, eles se tratavam por codinomes femininos, faziam pequenas apresentações travestidos e convidavam pelo menos um "bofe" (que simbolizava o "ativo" numa relação sexual, distinção que hoje soa preconceituosa).
Naqueles tempos, insinuar carícias na rua rendia perseguição. Era famoso o delegado Deraldo Padilha, que circulava pela noite detendo prostitutas, homossexuais e malandros por "vadiagem".
Jornais mimeografados divulgavam eventos e namoros da "sociedade bichal", na expressão da época. O mais famoso foi "O Snob", que teve cem edições entre 1963 e 1969 -há uma coleção completa na Unicamp. Uma das colunas era "Da arte de caçar".
O clima desfavorável após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, fez "O Snob" encerrar suas atividades. A Turma Ok já entrara em "recesso", como dizem seus integrantes, mas encontros eventuais continuaram existindo. Só com a redemocratização o grupo voltou de fato.
Institucionalizou-se, ganhou estatuto, chegou a pregar a "defesa das minorias oprimidas", mas nunca houve ordem unida. Não há consenso sobre casamento gay, por exemplo. A liberdade individual é um dos orgulhos da Ok.
"Passou por aquela porta, subiu aquela escada, todos são iguais. Qualquer dom João Não Sei das Quantas vira Maria das Couves. Qualquer fulaninho pode virar fulaninha", diz um antigo integrante, que faz shows como Lady Bynyditha de Orleans e Bragança Bourbon e Bourbon.
A verdade é que a Turma Ok sempre foi mais voltada para o lazer. Nas noites de shows de dublagem -abertos ao som de "Hello, Dolly"- é possível ver "montadas" (homens travestidos de mulher), barbudos/peludos que remetem ao visual dos anos 70 e casais diversos, muitos deles heterossexuais que vão para se divertir. Cenas de "pegação" são raríssimas.
Lady Ok, Musa Ok, Rainha da Primavera, Sinhazinha (na festa junina) estão entre os títulos disputados. Há festas temáticas como a dos Dragões da Independência, nesta terça-feira. E outras segmentadas, como a "Sexta do Kichute", para lésbicas -a programação está em www.turmaok.com.br.
A diretoria trabalha para festejar os 50 anos em grande estilo. Os mais de cem sócios de outrora chegaram a apenas 22; agora já são quase 80. Quem quiser só conhecer paga R$ 5 de couvert artístico.

O RIO EM REVISTA As pesquisadoras Vera Lins, Cláudia de Oliveira e Monica Pimenta Velloso reuniram no livro "O Moderno em Revistas - Representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930" (ed. Garamond/Faperj, 268 págs., R$ 42) seus ensaios sobre "Fon-Fon!", "Careta", "O Malho", "Para Todos" e outras publicações que anteciparam e viveram o modernismo na então capital federal.
É pena não ter havido recursos para que a edição reproduzisse a riqueza gráfica das revistas, mas a história delas está bem contada nos textos, de maneira apaixonada e inteligente.
O CAMINHO DOS LIVROS Acaba de sair a terceira edição do "Roteiro das Livrarias do Centro Histórico do Rio de Janeiro", com 100 mil exemplares e 47 estabelecimentos listados. (Parâmetro: em São Paulo, na área da subprefeitura da Sé, são 75, segundo a Associação Nacional de Livrarias.)
Prático, em formato de folheto, está disponível gratuitamente em quaisquer das lojas, de tradicionais como Leonardo da Vinci a jovens como Folha Seca, passando por religiosas, técnicas e sebos.


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