São Paulo, domingo, 10 de abril de 2011

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DIÁRIO DE BUENOS AIRES
O MAPA DA CULTURA

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Agrados e desagrados entre festas e festivais

DAMIÁN TABAROVSKY
tradução PAULO MIGLIACCI

HÁ NÃO MUITO TEMPO, escrevi nestas mesmas páginas sobre a minha incapacidade de ser oficial, em qualquer âmbito. Mas me apanho agora em situação estranha. Tenho certa expectativa, desejo que corra bem, tentarei apoiar, de meu modesto lugar excêntrico (adjetivo que escuto frequentemente a meu respeito). Estou falando de política? Claro que não. Refiro-me à Feira do Livro de Buenos Aires, que começa no próximo dia 20.
A feira é já há muito tempo um dos lugares mais espantosos da cidade: colonizada pelas grandes editoras e pelas empresas multimídia, pelos piores livros e pela massificação mais irrelevante, pela ausência total de pensamento crítico e por um sentimento irremediável de vergonha alheia. Aqueles que esperam pouco dela somos muitos. Ou melhor: somos muitos os que esperamos uma mudança.
E conseguimos: Gabriela Adamo acaba de ser nomeada diretora-executiva da fundação que organiza o evento, e creio que melhor escolha não teria sido possível. Jovem, mas experiente, Adamo foi tradutora e uma editora talentosa, antes de se especializar em gestão cultural e empresarial. Por fim, alguma coisa começa a mudar.

EL BUSCADOR
As livrarias de livros usados (sebos) de Buenos Aires estão entre as melhores da América Latina. Numa cidade quase sem tradição de boas bibliotecas públicas ou universitárias, os intelectuais se veem obrigados a acumular milhares de livros em seus lares, e essas coleções se dispersam por motivo de mudança, divórcio ou, claro, morte. E, com isso, aparecem nos sebos muitos achados a preços baixíssimos.
Mas o que faltava era uma boa seção sobre o tema nos jornais da capital. Até que o suplemento cultural "Ñ", do diário "Clarín", incorporou um espaço chamado "El Buscador". Escrita com leve ironia e grande erudição, a coluna recomenda a cada semana os melhores livros em oferta. E terminou por se converter em leitura de culto entre os interessados nos bons livros (se raros, ainda melhor). Publicada sem assinatura, ou seja, anônima, guarda esse segredo que revelarei em primeira mão: seu autor é o poeta Eduardo Ainbinder, autor do excelente "Con Gusano".

NA TELA
Além da feira do livro, outro evento cultural importante na cena portenha é o Festival de Cinema Independente, que se iniciou nesta semana. Uma maratona de centenas de filmes de diretores de vanguarda de todo o mundo. Fato curioso em um país onde as coisas duram pouco (exceto a pobreza e o gosto pelo peronismo), o festival foi criado por um governo municipal de Buenos Aires, mantido pelo seguinte, ampliado pelo posterior e levado adiante pelo atual (um grande mérito para um governo de direita recalcitrante). Tenho amigos que chegaram a assistir a cinco filmes no mesmo dia, correndo de uma sala a outra. Como é possível que algo inventado no final do século 19 continue a ser moderno? Não sei. Mas viver em uma cidade cinéfila me agrada.

VIDA LONGA AO ROCK'N'ROLL
O U2 passou por São Paulo? Não sei. Mas sei que, alguns dias atrás, esteve em Buenos Aires, ou melhor, em um estádio a 60 quilômetros da cidade (houve problemas na estrada, e a viagem demorava cinco horas).
O U2 é uma das piores bandas de rock que já vi na vida. Alguém capaz de escrever uma letra como "you say/ one love/ one life/ when it's one need" não tem retorno possível: de tudo nos podemos recuperar, menos do ridículo. E enquanto assistia ao show pela TV (quis comprar cerveja irlandesa, mas o supermercado do meu bairro não a tinha: Buenos Aires não é tão cosmopolita quanto parece), ocorreu-me o seguinte pensamento: "O rock argentino não é muito melhor".
O rock argentino foi algo que surgiu no final dos anos 60, cresceu na década de 70, conquistou grande sucesso em plena ditadura graças ao seu apoio ao governo militar durante a Guerra das Malvinas (1982) e se tornou milionário com a democracia (de 1984 em diante). Em meio a isso, produziu um punhado de boas canções, uma namorada que conquistei na adolescência e não muito mais (o resto são apenas canções mal tocadas, letras triviais e impostura estética).


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