São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2010

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CRÍTICA

Extrema direita, volver

Neoconservadorismo judaico nos EUA

RESUMO
A inflexão conservadora da revista "Commentary", símbolo da esquerda nova-iorquina nos anos 60, e de seu editor, Norman Podhoretz, é objeto de dois lançamentos nos EUA. Na origem da guinada ideológica está uma reação à contracultura dos anos 70 e o acirramento da direita judaica nos EUA e em Israel nos últimos anos.

DAMON LINKER
tradução CAETANO GALINDO

NA ÚLTIMA DÉCADA, "NEOCON" se tornou um xingamento generalizante entre os críticos da direita. Poucos desses críticos, no entanto, parecem notar que, desde o começo, havia dois ramos muito distintos de pensamento neoconservador. O primeiro buscava aplicar uma análise sóbria e fria e temperamento cético em questões de política interna; o segundo se especializava na elaboração de argumentos persuasivos, volta e meia muito polêmicos, em favor de uma política externa militarmente agressiva.
O primeiro exerceu sua maior influência política com as ações de combate ao crime do prefeito de Nova York Rudolph W. Giuliani e a reforma previdenciária de 1996. O segundo teve seu apogeu nos anos que se seguiram ao 11 de Setembro, quando a administração de George W. Bush seguiu uma doutrina de guerra preventiva ulinateral e se dispôs a transformar a civilização islâmica a bala. Quando os críticos atacam os "neocons", raramente se referem ao primeiro ramo, que hoje está basicamente extinto: referem-se às ideias e à postura associadas ao segundo ramo. Tudo acaba se referindo às ideias e à postura de Norman Podhoretz e da revista "Commentary", por ele editada entre 1960 e 1995.
"Norman Podhoretz" [Cambridge University Press, 418 págs., US$ 35, R$ 60], biografia exaustiva, mas decepcionantemente acrítica de Thomas L. Jeffers, é mais empolgante em seus primeiros capítulos, que contam a história de como esse filho brilhante e ambicioso de judeus migrados da Galícia, na Polônia, saiu da pobreza na parte do Brooklyn conhecida como Brownsville para se tornar, primeiro, o aluno preferido do grande crítico literário Lionel Trilling na Universidade Columbia e, depois, aos 30 anos de idade, editor da "Commentary", a revista do Comitê Judaico Americano e um dos dois principais periódicos (junto com a "Partisan Review") dos lendários intelectuais de Nova York.
No fim dos anos 60, os talentos de Podhoretz como escritor, crítico, editor e empolgado contador de casos lhe garantiram um lugar no centro da ação política e cultural. A "Commentary" publicava grandes luminares da nova esquerda, como Paul Goodman, Herbert Marcuse e Norman O. Brown. Podhoretz terçava armas com Norman Mailer e Allen Ginsberg em festas e textos. Organizava jantares para Jackie Kennedy.
Jeffers, que dá aula de literatura na Universidade Marquette, habilmente entretece essas e inúmeras outras histórias da dramática ascensão de Podhoretz ao ápice da influência no mundo intelectual liberal. Mas tem problemas quando tenta explicar a marcha de Podhoretz rumo à direita, que começou em torno de 1970 e nunca mais parou.
Em 1972, Podhoretz rompeu com o Partido Democrata para votar em Nixon. Quando a década chegava ao fim, apoiou Ronald Reagan com entusiasmo. Mas não demorou a aparecer nas páginas da "New York Times Magazine" atacando Reagan por falta de dureza no confronto com a União Soviética e na defesa de Israel.
Em 2002, Podhoretz já estava tão à direita que achou que a belicosa reação de George W. Bush aos ataques de 11 de Setembro era apenas um bom começo; além de atacar todos os membros do "eixo do mal" de Bush (Iraque, Irã e Coreia do Norte), Podhoretz insistiu que os EUA deviam se preparar para ofensivas militares contra a Arábia Saudita, o Egito, o Líbano e a Líbia. Hoje, acredita que Sarah Palin seria uma presidente perfeitamente adequada.
Como é possível que um homem que um dia foi tão reflexivo tenha passado os últimos 40 anos se transformando num panfletário? Em seu livro autobiográfico de 1979, "Breaking Ranks", o próprio Podhoretz descreve seu primeiro movimento para a direita como uma reação totalmente razoável aos excessos da contracultura, à ascensão de um movimento negro maculado pelo antissemitismo, à decadência do movimento pacifista para uma violência niilista e à adoção de um isolacionismo esquerdizante pelo Partido Democrata em 1972.
Jeffers aceita esse relato, mas acrescenta uma surpreendente guinada teológica, contando que em fevereiro de 1970 Podhoretz teve uma visão mística nos bosques do norte de Nova York que o convenceu da "verdade do judaísmo". Jeffers tem dificuldade em explicar precisamente o que significou essa revelação, e quanto ela inspirou Podhoretz a mudar sua visão política -em parte, sem dúvida, porque ela não teve nenhum efeito perceptível em sua adesão à lei e aos rituais judaicos. Como diz o próprio Podhoretz, ele achava desnecessário, tanto antes quanto depois da visão, "ir aos cultos, comer comida kosher e tudo o mais".
Para compreender tudo que aquela visão representou, o leitor deve pular 120 páginas na narrativa de Jeffers, para um discurso de 1985 em que Podhoretz fala de seu orgulho por ter usado a "Commentary" para defender "os meus" -"minha terra" e "meu povo". À luz desses comentários, a sua revelação parece marcar o momento de sua vida em que ele começou a "desaprender" o que, dizia, tinha sido educado para pensar como liberal -ou seja, "que era mais honroso e mais nobre dar as costas para a nossa própria luta e lutar por outros e por outras coisas em que não temos interesse ou investimento pessoal". A partir de sua visão no bosque, Podhoretz devotaria sua vida a se erguer como judeu e como americano, contra uma lista cada vez maior daqueles que considerava seus inimigos mortais.
A crescente autoconsciência do judaísmo americano -sua cada vez maior disposição para se defender e defender sua trajetória da periferia para o centro do poder cultural e político nos EUA- é o fio condutor da belíssima e muito bem embasada história da "Commentary", desde sua fundação, em 1945 (15 anos antes de Podhoretz assumir o controle), até 2010 (15 anos depois de sua aposentadoria), escrita por Benjamin Balint ["Running Commentary", PublicAffairs, 304 págs., US$ 27, R$ 46].
Ao situar o homem e a revista em seus contextos mais amplos, Balint, pesquisador do Hudson Institute e ex-editor-assistente na "Commentary", consegue atingir o equilíbrio exato entre a admiração respeitosa e o distanciamento crítico. O resultado é melhor livro já publicado sobre o neoconservadorismo -e um trabalho que oferece uma interpretação muito mais clara de Norman Podhoretz, o homem e a carreira, do que a servil biografia de Jeffers.
"Running Commentary" descreve como a visão da revista em seus primeiros anos foi concebida por Elliot Cohen, seu talentoso editor-fundador. Cohen acreditava que os intelectuais -escritores que tinham real interesse por artes, literatura e ideias- estavam condenados a se sentir alienados da vida americana, com sua moral classe-média e seu gosto medíocre. Por ser uma revista judaica num país predominantemente cristão, a "Commentary" apenas intensificava sua sensação de não-pertencimento.
E, no entanto, quando Podhoretz assumiu a revista em 1960, a alienação tinha começado a desaparecer, com a revista afirmando timidamente, ainda que sempre de maneira crítica, determinados aspectos da vida americana. Em suas primeiras décadas como editor, Podhoretz aguçou seu gume crítico, tomando distância em relação ao consenso político. Em torno de 1970, porém, ele já concluíra que as críticas tinham ido longe demais, e que a "Commentary" devia asumir a liderança na defesa dos Estados Unidos, do judaísmo e de Israel.
Podhoretz não estava errado ao detectar uma certa nobreza em se erguer pelos "nossos". Sua defesa própria, no entanto, excluindo outros valores humanos, sejam eles morais, literários ou intelectuais, teve seu preço. Hoje, a "Commentary" publica regularmente textos que soam, nas palavras de Balint, "como discursos com a finalidade de aumentar o moral dos soldados, ou condescendentes sermões para os convertidos".
Quanto ao próprio Norman Podhoretz, ele desenvolveu tamanha intolerância às críticas e oposições, tamanho terror diante de uma iminente catástrofe nas mãos de militantes muçulmanos, e uma fúria tão grande contra seus irmãos judeus, que suas deblaterações raivosas só são levadas em consideração por sua progênie neoconservadora. O menino-prodígio de Brownsville acabou como um resmungão amargo e paranoico, solitário em sua isolada defesa de si próprio.

A partir de sua visão no bosque, Podhoretz devotaria sua vida a se erguer como judeu e como americano, contra uma lista cada vez maior daqueles que considerava seus inimigos mortais

A crescente autoconsciência do judaísmo americano é o fio condutor da belíssima e muito bem embasada história da revista "Commentary"


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