São Paulo, domingo, 13 de março de 2011 |
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DIÁRIO DE CARACAS O MAPA DA CULTURA Domingo no parque Bolivarianismo ou burle-marxismo? FLÁVIA MARREIRO "Caracas é a perfeita negação do pedestre. A cidade se interrompe em qualquer trajeto e, por vezes, alcançar a outra calçada é um desafio não só ao vigor físico, mas, inclusive, à inteligência do cidadão." A definição é do escritor José Ignacio Cabrujas (1937-95), mas poderia ser trasladada, digamos, às quebradas de São Paulo. Poderiam mudar para Higienópolis os edifícios modernos do leste da cidade. Para o Rio ou Brasília, construções públicas, sonhos de concreto de Estado. Os laços entre as escolas arquitetônicas são densos. É por causa deles que, a quadras de casa, encontro o Parque del Este, uma das obras mais significativas do paisagista brasileiro Roberto Burle Marx (1909-1994). O parque de 82 hectares (ou metade do paulistano Ibirapuera) completou melancolicamente 50 anos em janeiro: malcuidado, alterado e envolto numa disputa entre o governo Chávez e ativistas pela proteção do patrimônio. Chávez lançou em 2006 a ideia de construir, sob um dos lagos do parque, um museu para um dos próceres da Independência, Francisco de Miranda. Acima, flutuaria a reprodução do barco que trouxe o herói da Europa. A mobilização contra a obra levou ativistas a fundarem a seção venezuelana do Docomomo, a ONG pela conservação do patrimônio moderno, existente em 53 países (docomomovenezuela.blogspot.com). Os planos, nas palavras da vice-presidente da Docomomo local, Hannia Gómez, seriam parte da tentativa do governo de apagar o século 20 venezuelano. "Chávez só se importa com a independência e com o seu governo. O século 20 não lhe interessa. Quer fazer do parque um panfleto político." No aniversário do parque, o governo anunciou que o museu subterrâneo foi suspenso por questões de orçamento. Já o barco deve estar pronto em agosto. CHUVA NO MUSEU O lamento de museólogos e artistas sobre a crise dos museus venezuelanos -que estão entre os mais importantes da América Latina- ganhou um elemento insólito: a emergência das chuvas. O tema não se resume às goteiras do Museu de Arte Contemporânea. Em dezembro, o governo transformou o museu Alejandro Otero, dedicado ao pintor e escultor morto em 1990, num refúgio para desabrigados. Se eles estão na Chancelaria ou no Palácio Presidencial, por que não num museu? Trezentas e cinquenta pessoas dividem as salas -as obras de arte foram guardadas, e o governo anunciou que elas serão realojadas para outros prédios da área de cultura. O ministro da Cultura, Farruco Sesto, rebateu as críticas: "A obra de arte mais bonita" é a decisão "valente, sensível e imaginativa" de Chávez de abrir as portas do Estado aos desabrigados. ACORDES IMUNES Inaugurou-se em fevereiro, com a presença de Hugo Chávez e do maestro Gustavo Dudamel, estrela venezuelana da música clássica internacional, o Centro de Ação Social pela Música. É a sede do Sistema de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela. Conhecido como "El Sistema", o programa mescla formação musical erudita e assistência social para jovens e crianças. A fachada do edifício abriga uma peça do artista cinético Jesús Soto (1923-2005). O piso e as cadeiras da sala de concerto principal são do também cinético Carlos Cruz-Diez. Financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pelo Estado, também recebeu doação da maior empresa privada do país, a Polar, fabricante de bebidas e alimentos. Aos 36 anos, El Sistema é caso único de quase imunidade à polarização política no país -não falta quem aqui e ali acuse Dudamel de servir à "propaganda bolivariana". El Sistema não sofreu solavancos ou descontinuidade sob o chavismo -o hábil maestro José Abreu, idealizador do programa, permanece no controle. CRÔNICAS CORROSIVAS "Caracas pertence ao âmbito da destruição deliberada, com um ladrilho errôneo que não acaba de nos satisfazer. Caracas é uma ilusão de inconformados, e assumi-la de outra maneira é, simplesmente, acreditar que vivemos em outro lugar e não no que fabricamos, enquanto isso e por via das dúvidas." Outra citação de Cabrujas. O dramaturgo é considerado essencial para entender o caribe petroleiro, com e antes de Hugo Chávez. Em 2010, a editora Equinocio lançou uma edição crítica, em dois tomos, da obra teatral de Cabrujas. Promete para este ano novo volume com textos e entrevistas inéditos. Texto Anterior: Fotografia: Depois da chuva Próximo Texto: Arquivo aberto: Valentia assistida Índice | Comunicar Erros |
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