São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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Terapia em quadrinhos

HQs de Art Spiegelman, primeiro quadrinista a receber o Prêmio Pulitzer, ecoam arte e memória

PAUL GRAVETT

Art Spiegelman, em 1979: "É difícil para mim me concentrar sobre o tema, porque é tão doloroso. Mas sinto que é importante, para mim, que eu encare esses demônios".
Criar uma história em quadrinhos acabou saindo mais barato que terapia para superar a sobrevivência de seus pais ao Holocausto e sua própria sobrevivência à vida familiar.
"Maus - A História Completa" lhe tomou quase uma década, mas transformou a maneira como as pessoas viam as histórias em quadrinhos, ou "graphic novels". Também transformou Spiegelman de cartunista de vanguarda quase desconhecido em celebridade ganhadora do Prêmio Pulitzer.
"Breakdowns" (Colapsos, Random House, 72 págs., US$ 27,50, R$ 63) é a reimpressão de um livro de capa dura lançado em 1977, que coleciona e amplia 13 faixas anteriores a "Maus". Seu título sugere tanto as crises mentais do autor quanto os esboços preliminares de uma HQ.
Entre eles está um protótipo de "Maus" criado quando Art Spiegelman tinha 24 anos para a "Funny Aminals", uma revista underground que subvertia a inocência tradicional do gênero. Os ratos judeus, os gatos nazistas, um diagrama recortável e a voz distinta de seu pai, todos estavam ali em forma embrionária.
Muitos outros trabalhos anteriores em "Breakdowns" revelam a propensão de Spiegelman pela experimentação, a teorização e as citações -desde colagens recortadas em "Malpractice Suite" até um cruzamento de Picasso com Chandler em "Ace Hole, Midget Detective". Adiantados em relação a seu tempo, esses exercícios bem informados não tiveram seu significado captado pela maioria dos pares de Spiegelman. Hoje podem ser vistos como antecessores da vanguarda atual.
Da mesma maneira como nossas memórias são fluidas, as 22 vinhetas autobiográficas de Art Spiegelman mudam no tempo e de estilo, recriando momentos que o formaram e o deformaram.
Da infância vêm as alegrias de descobrir as histórias em quadrinhos, mais crucialmente "Mad", de Harvey Kurtzmann, e da criação de suas próprias; as aulas de inadequação no playground e no beisebol, os pesadelos implantados por ter "Alice no País das Maravilhas" e as neuroses transmitidas sutilmente por seus pais.
Tudo isso é entremeado com cenas de sua vida adulta.
Neurótico, gênio ou as duas coisas, Spiegelman continua a ser analista impiedoso de si mesmo e do meio de comunicação que adora, embora suas histórias em quadrinhos ofereçam pouco alívio -ou resolução- a ele ou a nós.


A íntegra deste texto saiu no "Independent". Tradução de Clara Allain.


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