São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Biblioteca básica

Angústia

SYLVIO BACK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu queria filmar "Angústia", de Graciliano Ramos, antes mesmo de ser cineasta. Impactado pela sua leitura nos anos 50 e já então cinéfilo voraz, o livro foi virando uma secreta obsessão. Quem sabe estimulado à época pela obra de Dostoiévski e pelo filme clássico do expressionismo alemão, "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920), de Robert Wiene. Em ambos, fundindo o que é com o que seria ou poderia ser, Eros é o motor da ação. Como em "Angústia", o livro mais pessoal do "velho" Graça (1892-1953).
Sempre ficava intrigado com a ausência de "Angústia" nas telas, enquanto os filmes homônimos seminais de Nelson Pereira dos Santos ("Vidas Secas" e "Memórias do Cárcere") e Leon Hirszman ("São Bernardo") faziam bonito. Trama-valise, que alberga minicontos atemporais sem turvar o fluxo anedótico, o romance é uma história de paixão, ciúme, ódio, crime e (auto)punição, banhada de uma inédita ironia política e por uma corrosiva ambigüidade moral. A Maceió dos 30 descrita em "Angústia", cujos baixo-relevo social e os "estados d'alma" de tipos universais que vagueiam entre o perene, arcaico e o moderno, tem inequívoca similaridade com o presente. E toda ela cunhada por Graciliano Ramos com soberbos diálogos no futuro do pretérito. Talvez aí se esconda a resposta porque "Angústia" não teria sido filmado até hoje. Agora, será!


Sylvio Back é cineasta, autor de "Lost Zweig", e poeta, autor de "Traduzir é Poetar às Avessas" (Memorial da América Latina).

A obra
"Angústia", de Graciliano Ramos. 336 págs., R$ 31,90. Ed. Record (tel. 0/xx/21/2585-2000).


Texto Anterior: Ponto de fuga - Jorge Coli: O ser no aparecer
Próximo Texto: + cultura: Os infernos de Darwin
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.