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O PINOCHET AFRICANO
Por decisão dos países africanos
e com apoio dos EUA
e da União Européia, Habré
será julgado no Senegal
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
NO CHADE
N
a capital do Chade,
Ndjamena, ninguém se arrisca a
sair depois das
20h. Além da
ameaça dos "colombianos"
-como curiosamente são chamados os ladrões que dirigem
motocicletas-, há ainda o perigo de ser detido por militares
que trafegam com metralhadoras sobre Toyotas caindo aos
pedaços. Não há esgoto, transporte público ou coleta de lixo
na maior cidade do Chade.
Apesar da violência e da miséria, é comum ouvir que "a situação hoje é muito melhor".
Antes do atual presidente,
Idriss Déby, quem governava o
país era Hissène Habré, considerado um dos mais violentos
ditadores da história da África.
Habré perseguiu, prendeu e
torturou membros de quase todas as 200 etnias do país. Se
achava que um integrante de
seu governo era desleal, mandava massacrar regiões inteiras
onde viviam membros da etnia
do suspeito. "Um dia, os homens de Habré chegaram e incendiaram minha vila. Morreram meu irmão, a mulher e
seus cinco filhos", conta a dona-de-casa Ruth Riguilar, nascida no sul do país, onde, no
início dos anos 80, a polícia de
Habré matou centenas de pessoas em um episódio conhecido como "Setembro Negro".
O Chade tem 9 milhões de
pessoas e abriga mais de 200
dialetos. No auge da ditadura,
Habré cimentou uma grande
piscina construída pelos colonizadores franceses e fez dela
um centro de torturas.
O regime seria até hoje desconhecido pelo mundo, como
aliás se passa com quase tudo
relativo a essa isolada nação
africana, caso o improvável não
tivesse acontecido. Mesmo
sem nunca terem vivido um
período democrático e sem
know-how em direito, um grupo de sobreviventes decidiu se
unir para tentar fazer Habré
pagar por seus crimes.
Em 1999, inspirados pelo caso Pinochet, eles procuraram a
Human Rights Watch, sediada
nos EUA. Um dos advogados da
ONG, Reed Brody, decidiu ajudá-los. Começou, então, uma
campanha internacional para
julgar Habré. "Trata-se de um
evento extraordinário, em que
pela primeira vez na história da
África as vítimas decidem buscar justiça e fazem com que um
ditador seja preso", diz Brody.
Em parceria com organizações internacionais, as vítimas
iniciaram um caso contra Habré no Senegal, país signatário
da Convenção contra Tortura.
Pelo tratado, os países são obrigados a julgar ou extraditar
torturadores que se encontram
em seu território.
O Senegal, então, colocou
Habré em prisão domiciliar.
Mas não deu andamento ao caso. Primeiro, declarou que seu
código penal não havia se adaptado às obrigações da Convenção contra Tortura e que assim
não poderia julgar um presidente de outro país.
Depois, quando a Bélgica pediu a extradição de Habré baseada em sua lei de jurisdição,
o país recusou-se a enviar o ditador à Europa e pediu que a
União Africana decidisse o que
deveria ser feito.
Em um parecer emitido em
2006 por uma comissão de juristas, o órgão determinou que
Habré deve ser julgado na África. O Senegal acabou adaptando sua lei às exigências da convenção e foi obrigado a prosseguir com o caso. Alegando falta
de verba, até hoje o país não
iniciou o processo, estimado
em 28 milhões de euros.
Após muita pressão internacional, os EUA e a União Européia enfim concordaram em
bancar o julgamento.
"Há quase duas décadas que
batalhamos por justiça", diz
Clément Abaifouta, presidente
da organização de vítimas batizada oficialmente de Associação de Vítimas de Crimes e Repressões Políticas no Chade.
Em janeiro, a União Européia enviou uma missão de experts ao Senegal para estudar a
melhor forma de dar assistência técnica e financeira para a
organização do processo -o
primeiro em que um país em
desenvolvimento julgará um
presidente de outra nação por
atos cometidos fora de seu território. Segundo declarações a
jornais senegaleses, esses especialistas consideram difícil que
o julgamento comece no próximo ano, pois ainda são necessários ajustes nas leis do país e
nas investigações do processo.
"As vítimas estão envelhecendo, e muitas já morreram", diz
Brody. "Quanto tempo mais terão de esperar para que enfim
justiça seja feita?"
Defesa de Habré
Os advogados de Habré dizem que, além do direito a imunidade devido ao cargo que
ocupou, o ditador jamais teria
dado ordens para que a polícia
cometesse crimes. Tampouco
teria ficado sabendo de assassinatos ou torturas perpetrados
por pessoas de seu governo.
(ES)
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