São Paulo, domingo, 03 de junho de 2001

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Em "Cem Anos de Teatro em São Paulo", Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas fazem um retrospecto imprescindível do teatro paulista desde o final do século 19 até os anos 70

Um palco em ebulição

Arquivo Última Hora
As atrizes Lélia Abramo e Cacilda Becker em cena da peça "Raízes", em 1961, escrita por Arnold Wesker


Sergio Viotti
especial para a Folha

Em um dos seus sonetos Shakespeare fala da união sincera de almas sinceras. Quando isso acontece, daí advém o positivo e o belo. Foi o que aconteceu quando Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas juntaram aplicações e cultura para escrever, nos idos de 1975, a retrospectiva do que havia sido o teatro em São Paulo (de 1875 a 1974).
O trabalho resultou em quatro suplementos para o centenário do jornal "O Estado de S. Paulo". Maria Thereza Vargas trabalhara no Idart (Departamento de Informação e Documentação Artística) na qualidade de pesquisadora; Sábato Magaldi, membro da Academia Brasileira de Letras, um dos nossos mais conceituados críticos teatrais, é autor de várias obras teóricas sobre teatro. O material original publicado nos suplementos, analisado e ampliado pelos autores, tornou-se o volume "Cem Anos de Teatro em São Paulo".
O que torna esta obra imprescindível para o estudo e conhecimento (não só do teatro em São Paulo, mas do teatro brasileiro como um todo) é o cuidadoso relato do que era visto nesta capital desde que a Companhia Lírico-Dramática Espanhola de Zarzuelas por aqui passou em 1875. Daí, segue relembrando nomes hoje lamentavelmente esquecidos do grande público, mesmo dos que frequentam teatro. Que, entre nós, os artistas de ontem repousam em honroso esquecimento mesmo que nos tenham deixado em nosso tempo. Quem hoje com menos de 50 anos se dá conta de que reinou entre nós a grande Cacilda Becker, prematuramente morta em 1969?

Visão detalhada Assim um dos maiores valores deste volume é, justamente, o fato de trazer ao primeiro plano o remoto, o antes de ontem e o ontem, oferecendo ao leitor de hoje e, espero, do futuro uma visão detalhada do que foi realizado em São Paulo e por quem. Uma obra como esta não é impressa apenas para os leitores do início do século 21, mas para ser lida no futuro longínquo. Seu objetivo é continuar imortalizando artistas e trabalhos que a memória descuidada do tempo esgarçou.
Quando todos os nossos centros culturais regionais levarem a cabo um trabalho semelhante, aí então teremos o panorama completo da história do teatro brasileiro.
Não se pode esperar que uma obra desse vulto seja completa na cobertura de todos os acontecimentos, mesmo em se tratando de alguns de relativo destaque. Se o fizessem, os autores correriam o risco de produzir um volume em que a sequência de datas, nomes e eventos seria apenas repetição enfadonha sem novas luzes. O objetivo foi, justamente, evocar e reordenar recordações (e preciosas informações) que, na memória de muitos, possam parecer confusas. Que a grande importância do livro de referência é precisamente colocar o passado ao alcance de quem o procura em busca de esclarecimentos precisos.
Houve época em que São Paulo só assistia a espetáculos teatrais que aqui chegavam vindos do Rio, centro propagador, ou do exterior, até que nos primeiros anos da década de 40 conjuntos amadores lançaram os alicerces do autêntico teatro paulista -o Grupo de Teatro Experimental de Alfredo Mesquita; o Grupo Universitário de Teatro de Decio de Almeida Prado; Os Artistas Amadores de Madalena Nicol e os English Players de R.H. Eagling.
Eles formaram a base do que seria, logo depois, o Teatro Brasileiro de Comédia, o renomado TBC, criado pelo empresário Franco Zampari.
O volume é farta e ricamente ilustrado com 152 páginas das mais belas e históricas fotografias. Apenas essas bastariam para nos dar uma visão exata, de inegável beleza, do que foi o teatro em São Paulo inicialmente e genuinamente paulista a partir do advento do TBC. Para os que tiveram o privilégio de acompanhar essas montagens, as fotos agitam saudades.
Os que não as viram passam a ter uma visão do que foram aqueles tempos em que o teatro paulista se formou como força criadora, principalmente na ebulição política dos anos 60, crescendo a força dos teatros Arena e Oficina. Se foram anos difíceis, também foram anos mágicos. Sem eles o teatro brasileiro, não apenas o teatro paulista, não seria o que é, pois este agora ocupava a posição que lhe cabia por direito no panorama nacional.
Um sábio posfácio nos garante (o que é mais do que simples promessa) que, "com a concordância da editora", os autores deverão "escrever um segundo volume, já que o número de estréias nas últimas décadas cresceu enormemente (...)". O que levará este precioso panorama do teatro paulista até o ano 2000. Fecha-se, assim, um círculo de ouro. Sem isso a história do teatro brasileiro nunca estaria completa.


Sergio Viotti é ator e autor de "Dulcina e o Teatro de Seu Tempo" (ed. Lacerda).


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