São Paulo, domingo, 03 de junho de 2001 |
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+ literatura Há cem anos morria o autor de "Menino de Engenho" José Lins do Rego
um contador de histórias
A celebração do centenário de nascimento de José Lins do Rego é um momento propício para
reler seus romances e refletir sobre sua fortuna
crítica no âmbito dos estudos de literatura brasileira. Embora muitas notas biográficas, incluindo o site da Academia Brasileira de Letras na internet (www.academia.org.br), informem que o autor nasceu em 3 de julho de 1901, o mês correto é junho, erro provavelmente disseminado pela proximidade de grafia, diferenciada em apenas uma letra.
A brasilidade, o apego à terra e as recordações da infância são as características apontadas pela crítica que mais o alegravam. Que não o chamassem de escritor regionalista, caracterização que abominava com veemência, pensando que o rótulo diminuía o valor de sua obra. No terreno minado das influências, só aceitava as recebidas dos cegos cantadores de feira da Paraíba e das histórias da velha Totônia, que ouvira na infância. A presença de escritores estrangeiros em sua ficção só será admitida muito mais tarde nos ensaios, cartas e entrevistas. A angústia de ser rotulado de regionalista, cristalizada pela crítica, levou-o a praticar ousadas mudanças estéticas, numa tentativa de fugir da temática memorialista de escritor de engenhos mortos. Essa guinada de inspiração literária é tomada após o quinto romance, "Usina" (1936), quando resolve encerrar o chamado romance do ciclo da cana-de-açúcar e passa a fazer experimentações artísticas com temas que não o identificavam como escritor da decadência da sociedade rural e patriarcal do Nordeste. Assim, com esse deliberado propósito, começa uma nova série de quatro romances não identificados com a "cor local" de sua meninice nos canaviais. Essa fase vai de 1937, com a publicação de "Pureza", passando por "Pedra Bonita" e "Riacho Doce", até "Água-Mãe", publicado em 1941, e compreende romances menores, segundo o consenso crítico. Não tão bem-sucedido fora do que sabia fazer espontaneamente, José Lins volta para o seu tema favorito e escreve "Fogo Morto" (1943), sua obra-prima, que merece figurar numa lista dos dez melhores romances da literatura brasileira. Para tomar essa atitude de retorno às origens, muito o ajudou o conselho dado por Manuel Bandeira, reconhecido pelo próprio romancista: "Você não deve sair do Nordeste. Você é motor que só funciona bem queimando bagaço de cana". "De fato, Manuel Bandeira tinha razão", concorda ele com o poeta. O prefácio de Otto Maria Carpeaux, com o superlativo título "O Brasileiríssimo José Lins do Rego", no qual refuta as pretendidas influências de Thomas Hardy (1840-1928) e D.H. Lawrence (1888-1935) apontadas por Álvaro Lins, foi de enorme agrado ao romancista. O crítico austríaco, então recém-chegado ao Brasil, fugindo da guerra, enaltece as qualidades de "homem da terra" e suas virtudes de contador de histórias. Segundo ele, José Lins é o último representante dos contadores de histórias no Brasil. "Com ele, a espécie extinguir-se-á", conclui. Obviamente, o fato de ter recebido influência estrangeira não representa nenhum demérito à obra de José Lins nem diminui o seu brasileirismo insistentemente apontado pelo crítico, que prestou enorme contribuição à inteligência brasileira ao revelar, paradoxalmente, os escritores europeus mais importantes e até então pouco conhecidos no Brasil da época. O próprio romancista reconheceu, nos ensaios e cartas, as influências assimiladas de autores estrangeiros. Sua maior personagem, o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, foi inspirada em Dom Quixote, segundo ele mesmo confessa em carta de 24 de maio de 1943, dirigida a Gilberto Freyre: "Ontem acabei o meu novo romance. Nada lhe posso dizer. Fiz de herói do livro um bobo de engenho, o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, vulgo Papa-Rabo. Não sei se consegui vencer as dificuldades, mas procurei dar ao meu velho Papa Rabo um relevo de Quixote dos canaviais". José Carlos Garbuglio apontou a presença de reminiscências de leituras de "Os Maias" e de "A Ilustre Casa de Ramires", de Eça de Queirós, um dos autores mais admirados por José Lins pelo estilo libertador, sem amarras com a gramática tradicional. Garbuglio encontra em "Bangüê" uma "certa aura queirosiana" perceptível com as aproximações que faz entre as personagens Afonso da Maia e o coronel José Paulino; e Carlos de Melo com Gonçalo Ramires. Dentro dos limites deste artigo, não é possível analisar com vagar a sensível influência exercida pelos romancistas ingleses Thomas Hardy e D.H. Lawrence na ficção zeliniana, estudo que sairá em livro em andamento. Esses autores, também reconhecidos pelo próprio José Lins como uma de suas fontes, muito contribuíram para que o brasileiro encontrasse seu caminho na elaboração dos temas da decadência da sociedade rural, fatalidade do destino e fracasso humano (Hardy) e sensualismo lírico-erótico (D.H. Lawrence). Marcas das leituras dos romances "Judas, o Obscuro", "Tess" e "O Retorno do Nativo", de Thomas Hardy; e de "O Amante de Lady Chatterley" e "Filhos e Amantes", de D.H. Lawrence, todos lidos em tradução francesa, são encontradas, às vezes em forma de referência expressa, em 12 romances de Lins do Rego. Essa constatação, feita após minucioso cotejo de textos e fontes, em nada diminui o valor literário do combativo romancista brasileiro. Ao contrário, a intertextualidade produzida com a leitura desses autores ingleses, também impregnados da "cor local", arraigados às tradições rurais e contrários aos avanços da sociedade tecnológica como ele, é o admirável resultado artístico produzido pelo encontro de José Lins consigo mesmo. Gentil de Faria é professor de literatura inglesa e teoria da literatura comparada na Universidade Estadual de São Paulo em São José do Rio Preto. Escreve, atualmente, um livro sobre as influências inglesas em José Lins do Rego. 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