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"Uma História das Orgias", do inglês Burgo Partridge, mapeia o tema e suas transformações desde o
Império Romano, passando pela Idade Média e Renascimento até quase chegar ao fascismo, no século 20
Prazer em berços esplêndidos
Valter José Maria Filho
especial para a Folha
Mostrar que alguns dos nossos hábitos mais deliciosos
são quase os mesmos que
divertiam os nossos antepassados é uma das mais agradáveis utilidades dos livros de história.
Afinal, os gregos, os romanos, os medievais também curtiam, guardadas as
devidas proporções, prazeres que corresponderiam às nossas casas de massagens, "nightclubs", clubes de suingue ou
até as nossas contemporâneas e atualíssimas surubas e outras variantes de sexo
alegre, criativo e recreativo.
Este divertido "Uma História das Orgias" tem a intenção de levar o leitor a fazer por si mesmo essas comparações.
Pois conta as transformações vividas pelas orgias no decorrer dos tempos, levando em consideração o fato de que os homens precisam do orgiástico para expulsar a energia acumulada pela abstinência
sexual e pela repressão.
Apesar do esforço do inglês Burgo Partridge em tentar (no curto prefácio) dar
uma definição precisa de orgia, o que
permanece no decorrer do livro são os
sentidos de desordem, bacanal, desperdício, tumulto, farra e desregramento.
Todos conhecidos pelo senso comum.
Na verdade, "Uma História da Orgias"
não é uma obra de história com "H"
maiúsculo, no sentido sério e carrancudo que os alemães e franceses dão à atividade de historiador. Mas se trata de uma
obra escrita por uma mente cultivada e
inteligente, que quer divertir o grande
público com amenidades inteligentes e
bem elaboradas. Coisa comum na Inglaterra e nos Estados Unidos.
"Só para ver"
O leitor aqui se sente
como o protagonista do filme pornô italiano "Orgias Romanas", de Mário Salieri, no qual um feliz torcedor do Napoli
nos anos entre 87 e 93 (era da dupla Careca e Maradona) é transportado no
tempo para a época das orgias, quando
se envolve com os desregramentos sexuais que começam no Império Romano, passa pela Renascença chegando
quase ao fascismo. Em um dos momentos mais engraçados do filme um nobre
renascentista mostra a ele uma mulher
nua para ver se o torcedor do Napoli gostaria de transar com ela. O napolitano se
encolhe e diz: "Minha mãe me disse que
é só para ver, não para tocar".
Esse é o princípio deste livro: fazer do leitor um observador contemplativo e viajante, mas também atento aos momentos históricos e pronto para tirar suas
conclusões filosóficas e morais.
A viagem começa pelos gregos, segundo o autor um povo que via a sensualidade de maneira poética e estética sem traço algum de morbidez. A coisa começa a
esquentar realmente quando entram em
cena os romanos, com suas loucuras e
exageros.
Os antigos imperadores de Roma são
excelentes objetos de curiosidade erótica. Augusto, por exemplo, heterossexual
convicto, satisfazia sua necessidades sexuais com as mulheres de seus ex-colaboradores, organizava enormes orgias
nos seus 12 palácios e possuía um local
para suas festas intitulado Gruta Azul.
Onde se entregava ao voyeurismo, vendo moças e rapazes em plena atividade
sexual, tendo como cenários o azul das
águas e dos penhascos. Como exemplo
de curiosidade motivada por esse livro,
podemos lembrar que Gruta Azul é o nome de uma boate de Porto Alegre, considerada uma das dez mais em seu gênero
no mundo, principalmente por tentar
manter a mesma atmosfera azulada com
suas bailarinas lindíssimas.
Ao tratar da devassidão medieval e renascentista, o autor mantém a sua erudição e o seus comentários pertinentes.
Com graça, conta histórias de estupros,
flagelações e assassinatos com leveza e
elegância. O mesmo acontecendo quando chega à era vitoriana, com o crescimento incrível da prostituição.
Sade e Jimmy Page
Alguns dos
pontos altos do livro são as análises da vida e obra de Casanova, as reflexões a respeito da obra e vida do Marquês de Sade
e os comentários sobre as estripulias de
Rasputin (o louco russo que dominava
sexualmente as mulheres da nobreza local). Além disso, conta pontos importantes da vida do feiticeiro Edward Alexander Crowley, o guru de Jimmy Page (guitarrista do Led Zeppelin), um libertino
desenfreado que aterrorizou a Inglaterra
dos anos 1920 -é dele a frase ultrajante
que fez ruir a fria fleuma britânica: "Até
que tenha a boca cheia de cocaína, você
não sabe o que é beijar" (pág. 199).
"Uma História das Orgias" é na verdade uma história dos grandes libertinos
que viveram no nosso agradável mundo.
O livro não tem a mínima intenção de
causar escândalo, e sim encanto. Quando o lançou, em 1958, Partridge tinha
apenas 23 anos e foi o responsável pela
alegria do seu editor, Anthony Blond,
que viu sua empresa sair do vermelho,
pois a obra entrou na lista dos mais vendidos.
O talento literário do autor talvez seja
explicado por ele ser filho do casal Ralph
e Frances Partridge, que fazia parte do
círculo de Bloomsbury (o mesmo de Virginia Woolf), residentes na mesma casa
onde moraram Lytton Strachey e Dora
Carrington, primeira mulher do pai do
nosso autor. Talvez Burgo Partridge tenha elaborado essa sua única obra (ele
morreu aos 28 anos) pensando em continuar a linhagem de grandes prosadores
que escreviam pelo prazer da escrita.
Com "Uma História das Orgias", Partridge conseguiu a proeza de escrever
uma obra erudita, sem pedantismo, criar
uma obra divertida, sem vulgaridades,
enriquecendo as estantes das livrarias e
das bibliotecas. Uma ótima e inesperada
surpresa, como uma húngara recém-chegada a uma praia da Bahia, disposta a
distribuir os seus riquíssimos dotes.
Valter José Maria Filho é pós-doutorando em filosofia na USP e professor de história da arte nas
Faculdades Integradas de Guarulhos.
Uma História da Orgias
232 págs., R$ 39,90
de Burgo Partridge. Trad. Manoel Paulo Ferreira.
Editora Planeta (al. Ministro Rocha Azevedo, 346,
8º andar, CEP 01410-000, São Paulo, SP, tel. 0/xx/
11/3088-2588).
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