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Ponto de fuga
Pietro Maria Bardi
Jorge Coli
especial para a Folha
Francesco Tentori escreveu um estudo sobre Bardi, publicado por Mazzotta, na Itália. Ele sai agora na ótima tradução brasileira de Eugênia Gorini Esmeraldo. Bardi foi um homem de ação,
de intervenção, de debate. Dirigindo
revistas e galerias, batalhou pela arquitetura racionalista na Itália, sob Mussolini, antes que o grupo de arquitetos
mais conservadores prevalecesse. Discutiu, sem cessar, o sentido da modernidade em todas as artes. Seus artigos
virulentos, suas colagens ácidas e irônicas, muitas vezes de curioso tom surrealista, são largamente transcritos e reproduzidos no livro. Por eles, esclarecem-se não apenas os vínculos de Bardi
com o fascismo, mas ilumina-se muito
a história complexa dos movimentos
modernos na Itália totalitária. Emerge
também o momento efervescente de
criação do Masp (Museu de Arte de São
Paulo).
Não se trata, portanto, de uma biografia jornalística e pitoresca. É antes
uma análise estrita e acerada, que expõe, por minuciosa pesquisa, os efeitos
produzidos por Bardi nas culturas italiana e brasileira do nosso século. Ficam de fora, ou quase, as questões voltadas para o colecionismo, para a atuação do marchand e para a própria formação de Bardi, um autodidata que
terminou sendo chamado de "professor". Seria demasiado tratar de todas
essas facetas. Tentori concentrou-se
num aspecto essencial. Seu livro -cuja
edição brasileira foi feita pelo Instituto
Bardi e pela Imprensa Oficial do Estado- fixa um parâmetro muito alto para estudos futuros que tentem aquelas
direções.
Eterno retorno - "Se em São Paulo o
anseio da farolagem através da arte,
meio fácil enxergado pelos agitados à
procura de um fácil trampolim para penetrar no "society", não tivesse reunido
tanto dinheiro (público) nas maquinações da dita farolagem, e o tivessem subordinado a uma única direção, a situação seria diferente (...)." Havia em Bardi um sentido elevado da idéia de cultura. Frases como essa, que escreveu para
defender o princípio de museus e acervos significativos, mostram desprezo e
ódio pelo emprego das artes e das instituições como alavancas de vaidade pessoal e social.
Em parceria com Chateaubriand, ele
pôde legar ao Brasil uma coleção excepcional de obras, constituída em
tempo brevíssimo. A dupla soube manipular ricaços, ordenhá-los, extraindo
dinheiro para esse formidável projeto.
Chateaubriand e Bardi morreram, mas
os ricaços se sucedem. Hoje, o Masp é
um edifício festivo, faroleiro, onde o
acervo, enfiado nas reservas, fora do
olho do público, parece antes estorvo
do que medula essencial.
Forza indomita - "Il Guarany", de Carlos Gomes, foi apresentado no teatro
Alfa, em São Paulo. Os cenários bonitos, inteligentes, sucumbiam, porém,
diante dos costumes horrendos, da mise-en-scène a um tempo pretensiosa e
simplória. A batuta de Karabtchevsky
esteve bem frágil diante das imprecisões da orquestra. Os cantores faziam o
que podiam -e o que podiam não era
muito. Tudo isso se revelou, no entanto, como uma prova dos nove. "Il Guarany" é uma obra inspirada de início ao
fim, sem altos nem baixos, num contínuo surpreender. Flui como uma rapsódia, passando dos devaneios mais
poéticos -a maravilhosa "ballata",
que renova as baladas postas em moda
pela ópera francesa- à solenidade das
invocações místicas, ao heroísmo exaltado e, às vezes, a uma sensualidade
turva. A música se impôs, triunfando
sobre a mediocridade da récita.
Elipse - O balé de "Il Guarany" inova
sobre o modelo de Meyerbeer e anuncia claramente "Aida". Além disso, pitoresco, repleto de ritmos deliciosos, é
ponto central da cerimônia antropofágica. Na produção que contou com Plácido Domingo (Bonn e Washington),
gravada em CD, alguém teve a péssima
idéia de cortá-lo. Esse mau exemplo fez
caminho e, infelizmente, foi seguido
nas apresentações do teatro Alfa.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com
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