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Ponto de fuga
Passo de ganso
Jorge Coli
especial para a Folha
Na verdade, de quem é "Cabaret",
musical que lota o Studio 54 todas as
noites, na Broadway, e faz a crítica delirar? "Cabaret", criado em 1966, renasceu várias vezes, nunca idêntico a
si mesmo. Brotou no palco, inspirado
em contos de Christopher Isherwood,
para transformar-se muito no cinema
com Bob Fosse. É um espetáculo armado em volta de maravilhosas canções. Numa Berlim decadente, a atmosfera Brecht-Weill (Lotte Lenya integrou o elenco da primeira versão)
cruza-se com descobertas amorosas e
sexuais: encontros e desencontros em
meio à opressão causada pela subida
do nazismo.
A vitalidade do primeiro momento
pode ser percebida na gravação (CD
Columbia) com o elenco original. Nos
retornos sucessivos, o espetáculo
atualizou-se. Em 1966 ninguém ousava assumir a sexualidade ambígua,
presente em Isherwood. Bob Fosse,
em seguida, introduziu uma aventura
bissexual. Hoje, não há mais hesitação: tudo é franco e deslavado.
O novo diretor é Sam Mendes. Há,
possivelmente, uma contradição.
Mendes, em "Blue Room", peça estrelada por Nicole Kidman, ou em"Beleza Americana", um dos filmes mais
originais dos últimos tempos, arquitetou universos frios e controlados. O
deboche espontâneo e vivo do cabaré
talvez não seja, exatamente, a veia
mais adequada para seu talento nítido. Nesta atual montagem, o sentimentalismo fica sublinhado, a agilidade trocista não cola, e o que deveria
ser cinismo cortante, ou réplica acerada, dissolve-se.
Galáxia - Entre as poucas coisas que
fazem da televisão algo mais do que
um eletrodoméstico estão as séries
americanas. Por elas, surgiu Lucille
Ball, equivalente genial de um Chaplin ou de um Keaton. Surgiu também o expressionismo frio de "Twilight Zone", de "Perry Mason"; o humor de "Alfred Hitchcock Presents".
Uma novela das oito se extingue com
o último capítulo. Mas, décadas depois, estão lá "Perdidos no Espaço",
"A Feiticeira"; sinal que eles contêm
algum bom germe de permanência.
São séries admiráveis que entraram
em simbiose com os espectadores,
proporcionando-lhes um mundo divertido e intenso. Elas possuem milhões de fãs. O filme "Galaxy Quest",
de Dan Parisot, parte exatamente dessa cultura. Conta como um seriado
espacial, que terminou há anos, torna-se "verdade" graças a uma guerra
intergaláctica e como os velhos atores
entram na pele de seus personagens
para salvar o universo das garras de
alienígenas horrorosos. Dito assim,
pode parecer bobo. Mas, com um
elenco irônico e formidável (Sigourney Weaver, por si só, vale a viagem),
"Quest" acerta no alvo.
Molho - Falta de bom senso dói. Um
diretor brasileiro, jovem, consegue
nada menos que Anthony Quinn para
seu filme. Ao lado do imenso ator,
Paulo Autran e Marly Bueno compõem um trio sensacional. Pois, em
vez de centrar tudo nesse triângulo
único, o filme se perde com uma ex-paquita e uma história de fábrica de
macarrão, tão apaixonante quanto
um pacote de espaguete. "Oriundi",
filme de Ricardo Bravo, poderia ser o
grande filme que não é. Como uma
gangorra, sobe a momentos extraordinários para ir, em seguida, bem lá
para baixo.
Matinê - "Scream" ironizava com
brilho os "slasher movies". Wes Craven, o diretor, e Kevin Williamson,
roteirista, criaram depois um
"Scream 2", fazendo avançar o jogo
de auto-referências. Williamson deixou "Scream 3". A trama ficou mais
frouxa, mas acentuou-se o mundo pirandelliano da máscara assassina. O
público cúmplice transforma a sessão
numa missa negra de humor/horror.
"Scream 3" é um pseudofilme B que
se devora a si próprio. Roger Corman,
por sinal, aparece numa ponta.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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