São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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Ponto de fuga

Passo de ganso

Jorge Coli
especial para a Folha

Na verdade, de quem é "Cabaret", musical que lota o Studio 54 todas as noites, na Broadway, e faz a crítica delirar? "Cabaret", criado em 1966, renasceu várias vezes, nunca idêntico a si mesmo. Brotou no palco, inspirado em contos de Christopher Isherwood, para transformar-se muito no cinema com Bob Fosse. É um espetáculo armado em volta de maravilhosas canções. Numa Berlim decadente, a atmosfera Brecht-Weill (Lotte Lenya integrou o elenco da primeira versão) cruza-se com descobertas amorosas e sexuais: encontros e desencontros em meio à opressão causada pela subida do nazismo.
A vitalidade do primeiro momento pode ser percebida na gravação (CD Columbia) com o elenco original. Nos retornos sucessivos, o espetáculo atualizou-se. Em 1966 ninguém ousava assumir a sexualidade ambígua, presente em Isherwood. Bob Fosse, em seguida, introduziu uma aventura bissexual. Hoje, não há mais hesitação: tudo é franco e deslavado.
O novo diretor é Sam Mendes. Há, possivelmente, uma contradição. Mendes, em "Blue Room", peça estrelada por Nicole Kidman, ou em"Beleza Americana", um dos filmes mais originais dos últimos tempos, arquitetou universos frios e controlados. O deboche espontâneo e vivo do cabaré talvez não seja, exatamente, a veia mais adequada para seu talento nítido. Nesta atual montagem, o sentimentalismo fica sublinhado, a agilidade trocista não cola, e o que deveria ser cinismo cortante, ou réplica acerada, dissolve-se.

Galáxia - Entre as poucas coisas que fazem da televisão algo mais do que um eletrodoméstico estão as séries americanas. Por elas, surgiu Lucille Ball, equivalente genial de um Chaplin ou de um Keaton. Surgiu também o expressionismo frio de "Twilight Zone", de "Perry Mason"; o humor de "Alfred Hitchcock Presents". Uma novela das oito se extingue com o último capítulo. Mas, décadas depois, estão lá "Perdidos no Espaço", "A Feiticeira"; sinal que eles contêm algum bom germe de permanência.
São séries admiráveis que entraram em simbiose com os espectadores, proporcionando-lhes um mundo divertido e intenso. Elas possuem milhões de fãs. O filme "Galaxy Quest", de Dan Parisot, parte exatamente dessa cultura. Conta como um seriado espacial, que terminou há anos, torna-se "verdade" graças a uma guerra intergaláctica e como os velhos atores entram na pele de seus personagens para salvar o universo das garras de alienígenas horrorosos. Dito assim, pode parecer bobo. Mas, com um elenco irônico e formidável (Sigourney Weaver, por si só, vale a viagem), "Quest" acerta no alvo.

Molho - Falta de bom senso dói. Um diretor brasileiro, jovem, consegue nada menos que Anthony Quinn para seu filme. Ao lado do imenso ator, Paulo Autran e Marly Bueno compõem um trio sensacional. Pois, em vez de centrar tudo nesse triângulo único, o filme se perde com uma ex-paquita e uma história de fábrica de macarrão, tão apaixonante quanto um pacote de espaguete. "Oriundi", filme de Ricardo Bravo, poderia ser o grande filme que não é. Como uma gangorra, sobe a momentos extraordinários para ir, em seguida, bem lá para baixo.

Matinê - "Scream" ironizava com brilho os "slasher movies". Wes Craven, o diretor, e Kevin Williamson, roteirista, criaram depois um "Scream 2", fazendo avançar o jogo de auto-referências. Williamson deixou "Scream 3". A trama ficou mais frouxa, mas acentuou-se o mundo pirandelliano da máscara assassina. O público cúmplice transforma a sessão numa missa negra de humor/horror. "Scream 3" é um pseudofilme B que se devora a si próprio. Roger Corman, por sinal, aparece numa ponta.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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