São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2001

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MODERNISMO ANTIMODERNO

É preciso ser absolutamente moderno", escreveu Arthur Rimbaud. Coisa de 60 anos mais tarde, Gombrowicz não tinha tanta certeza de que isso fosse realmente preciso. Em "Ferdydurke" (editado na Polônia em 1938), a família Lejeune é dominada pela filha, uma "colegial moderna". Ela adora telefonar; desdenha os autores clássicos; na presença do senhor que está de visita, ela "se limita a observá-lo e, metendo entre os dentes uma chave de fenda que segurava com a mão direita, estende-lhe a mão esquerda com perfeita desenvoltura".

Substituto da juventude
Sua mãe também é moderna; ela é membro "do comitê pela proteção dos recém-nascidos"; ela milita contra a pena de morte e em prol da liberdade de costumes; "ostensivamente, com ar desenvolto, ela se dirige ao toalete" para dele sair "mais altiva do que entrara": a modernidade, à medida que ela envelhece, torna-se para ela indispensável como único "substituto da juventude".
O pai também é moderno; não tem nada na cabeça, mas faz de tudo para agradar à filha. Em "Ferdydurke", Gombrowicz apreendeu a reviravolta fundamental que se produziu durante o século 20: até ali, a humanidade se dividia em dois, aqueles que defendiam o status quo e aqueles que queriam modificá-lo; ora, a aceleração da história teve suas consequências: enquanto antes o homem vivia num mesmo cenário de uma mesma sociedade aparentemente imóvel, chegou o momento em que, de repente, ele começou a sentir sob os pés a história qual uma esteira rolante: o status quo estava em movimento! Logo, estar de acordo com o status quo era a mesma coisa que estar de acordo com a história que se move! Enfim se podia ser a uma vez progressista e conformista, bem-pensante e revoltado!
Atacado como reacionário por Sartre e os seus, Camus fez sua célebre réplica sobre aqueles que "instalaram seu sofá no sentido da história". Camus foi clarividente, apenas não se deu conta de que esse precioso sofá era dotado de rodas e que, já fazia algum tempo, todo o mundo o empurrava para a frente, as colegiais modernas, suas mães, seus pais assim como todos os combatentes contra a pena de morte e todos os membros de comitê para a proteção dos recém-nascidos e, é claro, todos os homens políticos que, empurrando o sofá, voltavam os rostos sorridentes ao público que lhes corria no encalço também sorridentes, bem sabendo que somente aquele que se compraz em ser moderno é autenticamente moderno.
Foi então que certa parte dos herdeiros de Rimbaud compreendeu esta coisa inaudita: hoje o único modernismo digno do termo é o modernismo antimoderno.



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