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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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OS LIMITES DO MELODRAMA

Esther Hamburger especial para a Folha

As novelas e minisséries de Gilberto Braga se destacam por uma capacidade ímpar de provocar polêmicas sobre o Brasil. Na nova empreitada, "Celebridade", Braga extrapola o verde e o amarelo para se aventurar em uma reflexão em âmbito transnacional: o fascínio perverso da fama, algo que mobiliza multidões nos mais diversos recantos do mundo globalizado.
Sem recorrer a mensagens pedagógicas de marketing social ou à prestação de serviços, características que vêm se impondo nas novelas recentes, os trabalhos do autor dos maiores sucessos do final dos anos 80 e início dos anos 90 estão entre os títulos televisivos de repercussão mais ampla e duradoura.
O forte de Gilberto Braga é a dramaturgia propriamente dita. Mestre da arte do folhetim, ele expande os limites do melodrama. Desafiando a crítica que privilegia conteúdos ideológicos, cria tramas que admitem ambiguidades. Por vezes beira o cinismo. Suas narrativas expõem dilemas contemporâneos, frequentemente antecipando temas que polarizaram o país. Sem tratar explicitamente de política, o autor lidou com algumas das principais chagas da história nacional.
"Dancin" Days" (1979) atualizou o sonho do país do futuro, admitindo a discoteca. "Corpo a Corpo" (1984) trouxe um casal inter-racial de protagonistas. "Pátria Minha" (1994) gerou protestos veementes ao dar visibilidade a um ato de discriminação racial.
"Vale Tudo" (1988), novela que, com "Roque Santeiro" (versão de 1985, de Aguinaldo Silva e Dias Gomes), marca o auge do gênero, tratou de maneira pioneira a decepção com a Nova República. A trama constata a persistência da corrupção, assunto que pautou a agenda da redemocratização.
A repercussão dessas novelas é em larga medida imprevista e não antecipada. Com "Celebridade" Gilberto Braga pode dar um salto no tratamento de algo que Raymond Williams caracterizou como o aumento do peso, no cotidiano, de diversos tipos e formatos de drama. Sem abrir mão do glamour, o autor pretende problematizar o mundo do espetáculo, que aparece, no mundo contemporâneo, como o universo de realização, a um só tempo pessoal e profissional.
Braga promete lidar com um dos paradoxos da sociedade pós-industrial, que a um só tempo acena com a democratização das possibilidades de participação no universo midiático e esvazia a celebridade.
A superficialidade do mundo da fama sugere o esgotamento do paradigma da sociedade industrial de massa. Na busca de alternativas dramatúrgicas, ironicamente a estréia da novela convive com a estréia de mais uma edição do "Big Brother", que vende a fama a qualquer custo.


Esther Hamburger é professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.


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