São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Poesia Visual, Vídeo Poesia" estuda obras feitas em computador da USP
A arte acelerada

CRISTINA FONSECA
especial para a Folha

O livro "Poesia Visual, Vídeo Poesia", de Ricardo Araújo, trata das experiências desenvolvidas no LSI (Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP), em 1993, para produzir, ineditamente, naquele sistema de sofisticadíssimos computadores, uma lista de sete poemas em videoarte. A saber: "Bomba" e "SOS", de Augusto de Campos, "Parafísica", de Haroldo de Campos, "Femme", de Décio Pignatari, "Dentro", de Arnaldo Antunes, e "O Arco-Íris no Ar Curvo", de Júlio Plaza. Trata-se de um registro do evento, mas não é esse seu único valor. Uma das questões importantes do livro, que vem à tona com os valiosos depoimentos de seus participantes, é a relação arte/ciências e criação.
Seria de se esperar que a obra suscitasse tal temática, pois não vem de hoje o namoro da arte e da literatura com a ciência como sintoma de modernidade. Pode-se apostar que o modernismo no Brasil não despontou com a arte, mas, como ocorreu na Europa de 1910, foi desencadeado pela ciência: impulsionado pela descobertado microscópio e o desenvolvimento da medicina experimental de Luís de Pasteur, representada no Brasil por Oswaldo Cruz e o grupo de saneadores, como Adolfo Lutz e Carlos Chagas. Os filmes e fotos desses cientistas, trazidos das viagens por todo o país, além de suas idéias inovadoras, que desideologizavam a medicina -mostrando que miséria é problema social, e não de raça e cor- , revelaram o Brasil para o próprio Brasil.
A obra de Ricardo Araújo traz à tona um fenômeno muito importante, que vem ocorrendo clandestinamente no "silêncio dos computadores e dos laboratórios", como bem definiu José Mindlin, que é o encontro da literatura e da arte com as novas tecnologias. Trata-se de um movimento experimental que tem encontrado resistência para florescer, pois modificará, a curto prazo, o próprio conceito de cinema e TV e, ao mesmo tempo, parece dar continuidade e veracidade ao próprio fenômeno da poesia concreta no Brasil.
O livro de Ricardo Araújo faz lembrar que a poesia concreta, desde o seu início, em 1954, tem apregoado a utilização de inéditos meios e materiais como suporte para a poesia. Então, não é por acaso que um projeto como esse, da engenharia da USP, tenha o signo dos concretistas e seus companheiros. Os trabalhos verbivocovisuais dos "Noigandres" se ajustam absolutamente às novas mídias: do holograma à multimídia e multimeios, passando rapidamente para o sistema de computação em 3D. Mas isso não prova, como propõe Ricardo Araújo, o pioneirismo deles no fenômeno da computação gráfica, já que esse evento, anterior ao projeto da USP, tem sido como "um furacão clandestino" dentro dos estúdios improvisados dos videomakers. Poderia citar nomes como o do já morto Paulo Rebesco, gênio da computação gráfica, ou mesmo Carlos Henrique Sartori, que há muito tempo criaram maravilhas altamente sofisticados, mas que têm passado despercebidas aos olhos vulgares e atrasados dos nossos sinistros críticos de TV.



A OBRA
Poesia Visual, Vídeo Poesia - Ricardo Araújo. Perspectiva (av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, CEP 01401-000, SP, tel. 0/ xx/11/885-8388). 178 págs., R$ 18,00.



Cristina Fonseca é escritora e jornalista, autora de, entre outros, "A Poesia do Acaso" (T.A Queiroz), além de roteirista e diretora de documentários para cinema e TV.


Texto Anterior: Livros: A dúvida da dúvida
Próximo Texto: A explosão do imponderável
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.