São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


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A explosão do imponderável

SHEILA GRECCO
da Redação

O mais recente livro de João Batista Melo atesta a maturidade literária de uma prosa de tendências introspectivas. "Um Pouco Mais de Swing", que reúne contos inéditos e os já publicados em sua obra de estréia, "O Inventor de Estrelas" (1989), explora as fronteiras do supra-realismo.
Em 15 histórias, heróis trágicos convivem com as limitações diante do imponderável. Situações absurdas unem os contos. Uma velhinha de uma cidade de solo pobre e árido faz beldades de barro em miniaturas e pensa viver nessa escultura. Segredos e cadáveres se escondem sob os assoalhos de um casarão. A poeira misteriosa de um pacato vilarejo transforma seus habitantes em estátuas.
João Batista Melo dialoga com uma linhagem da literatura que tece um realismo peculiar, o construído a partir de situações fantásticas. O pioneiro dessa tendência no Brasil foi Murilo Rubião, na década de 40. Abordagem que foi retomada nos anos 60 por José J. Veiga, Campos de Carvalho e Moacyr Scliar e atualmente Modesto Carone.
O irreal é pretexto para tratar do real. A prosa do autor busca ultrapassar o realismo de convenção por meio de recursos do expressionismo e surrealismo. A denúncia do homem de nossa época aparece aqui e ali, seja pelo funcionário público e seu objetivo de estabilidade inútil, seja pelo dono de escola que mantém seus negócios na base da troca de favores com o prefeito ou pelo retrato implacável da imbecilidade da burguesia paulistana. O banal ganha visadas macabras. No conto que dá título à obra, o autor nos leva para Nova Orleans. A música exerce poder central e reconciliador das dores que assolam as personagens.
A prosa do novo livro de João Batista Melo o afasta do pendor verboso e em certos momentos antiliterário do romance de aventuras "Patagônia" (1998). Mas a opção por reeditar contos de estréia torna "Um Pouco Mais de Swing" um livro em tom descendente. Os contos menos convincentes estão justamente na segunda parte e é justamente nela que se verificam os perigosos mergulhos na ficção científica -tática já utilizada sem sucesso em algumas histórias de seu livro de contos anterior, "As Baleias de Saguenay" (1996). "O Inventor de Estrelas" narra o desejo de um escritor de partir numa nave espacial, em pleno século 21, com todo o vapor da tecnologia brasileira e do inverossímil "Ministério do Espaço".
Não se pode fechar os olhos também para os deslizes gramaticais: "Mas não sei porque (sic) as abelhas me recordam papai. Afinal, restringiria-se aos finais de semana aquele cenário povoado de vôos" (pág. 27), "os tiros que vinham do (sic) trás do muro" (pág. 49), que prejudicam o ritmo e a estética.
É certo que a coletânea apresenta irregularidades, mas, no seu todo, a força narrativa de "Um Pouco Mais de Swing" vem reaquecer esse gênero tão menosprezado entre nós, o conto. O que não é pouco dentro das dificuldades da atual literatura brasileira. E, como diria Cortázar, se o que caracteriza a grandeza de um conto é o seu caráter incisivo, mordente, sem trégua desde as primeiras páginas, João Batista Melo vence o leitor pelo nocaute.



A OBRA
Um Pouco Mais de Swing - João Batista Melo. Rocco (r. Rodrigo Silva, 26, CEP 20011-040, RJ, tel. 0/xx/21/507-2000). 140 págs. R$ 19,00.




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