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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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"As Bacantes"

(versos 1 a 63)

Dioniso:

Deus, filho de Zeus, chego à Tebas ctônia,
Dioniso. Deu-me à luz Semele cádmia.
O raio Zeus porta-fogo fez-me o parto.
Deus em mortal transfigurado, achego-me
ao rio Ismeno, ao minadouro dírceo.
Avisto o memorial de minha mãe
relampejada junto ao paço. Escombros
de sua morada esfumam com o fogo,
ainda flâmeo, de Zeus, ultraje eterno
de Hera contra Semele. Louvo Cadmo:
sagrou à filha o espaço não-pisado,
que circum-ocultei com verdes vinhas
em cachos. Deixo Lídia e Frígia pluri-
-áureas; plainos da Pérsia calcinados;
Báctria emurada; a Média, terra gélida;
Arábia venturosa; pleniaberta
ao mar salino, a Ásia, onde, em tantas urbes
de torres multilindas, grego e bárbaro
compunham gigantesco aglomerado.
Na Grécia, por aqui me introduzi.
Fundei meu rito em coros dançarinos:
um deus-demônio, ao homem manifesto.
À terra dos tebanos vim primeiro.
A pele nébrida ajustei aos corpos
sobreululando, o tirso e o dardo de hera
dei-lhes. Me denegriu quem não devia,
as minhas tias maternas: "Não é deus
Dioniso! Não é filho de Zeus! Grávida
de outro qualquer, Semele o inculpou pela
própria falta". Sofismam, como Cadmo:
a mãe falsária, Zeus, então, matara-me!
Eis a razão de eu, para o monte, atraí-las,
maníacas de furor, fêmeas frenéticas.
Fêmeas tebanas portam, todas elas
forçadas, paramentos para a orgia,
tresloucadas, dos lares, todas, extra-
ditadas, turba entremesclada às Cádmias,
sob o cloroso abeto, sobre as pedras.
Malgrado seu, aprenda a cidadela
não ter sido iniciada em meus baqueus.
Da mãe Semele faço a apologia:
mostro-me um deus-demônio, o sêmen nela
de Zeus. Cadmo a Penteu, filho de uma outra
filha, outorga o apanágio de tirano-
-rei. Contra mim, Penteu move uma teo-
maquia: libações me nega e preces.
Por isso eu lhe indigito minha origem
divina, e a Tebas toda. Implanto aqui
o rito, e os pés, alhures, logo movo
em minha epifania. Mas se em furor
de hoplita a pólis planejar tirá-las
do pico, eu lutarei, chefiando as loucas.
Por isso, num mortal me transfiguro,
a forma antiga em natureza humana.
Atrás de nós ficou a serra tmólia,
baluarte lídio, ó fêmeas do meu tiaso,
companheiras de périplo e repouso!
Alçando frígios tímpanos, ó bárbaras,
invento de Mãe-Réia, meu próprio invento,
circundai a morada basiléia,
ressoai que o presencie a pólis de Cadmo!
Assim, voltando ao Ptyks, reentrância do
Citero, me reintegro ao coro báquico.

Tradução de Trajano Vieira


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