São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004 |
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+ réplica Historiador rebate as críticas a seu livro "Brasil Fora de Si - Experiências de Brasileiros em Nova York" feitas pelo diretor de teatro Gerald Thomas Apenas vidas de pessoas comuns
José Carlos Sebe Bom Meihy
Ao contrário das dificuldades de
leitura provocadas pelo meu livro "Brasil Fora de Si - Experiências de Brasileiros em Nova
York", me foi fácil ler as palavras do teatrólogo Gerald Thomas em seu esforço
de resenha intitulado "Emigrantes na colônia penal" estampada no Mais! (de 30
de maio). Aliás, nem precisaria lê-las para saber sua posição e desfile de mesmismos mal-humorados e sedentos de surpresas diante dos dramas de cerca de
mais de 1 milhão de brasileiros que vive
nos EUA. Em todo caso, cabe a mim como autor contestar os clichês amontoados, sem critérios, condição analítica ou
bom senso medianos.
E começo pelo seu argumento central,
a (falta de) originalidade. Certamente as
revistas acostumadas com os ricos e famosos, triunfantes giseles ou fofocas de
bastidores dos elegantes corresponderiam ao alcance de promotores de espetáculos às vezes circenses e até engraçados. Ademais, a originalidade reclamada
não está também na exibição do show da
pobreza ou na melancolia de viver em
uma cultura sem renunciar a outra, original. Pelo contrário, situa-se na junção
de histórias de pessoas comuns que se
perdem em um coletivo árido e de difícil
aceitação histórica.
O enredo coletivo dos brasileiros tem
que ser considerado em sua autonomia,
e, para não mesclar alhos com bugalhos,
não promovi concursos de infelicidades
grupais. O livro não pretende ser engraçadinho, encantador ou mesmo de entretenimento. Aliás, até me preocupa o
fato de o resenhista dizer "que não é desinteressante de todo".
O foco pretendido por mim foi a denúncia de um fenômeno grave, com cifras surpreendentes, pois hoje podemos
estar na casa de 3 milhões de brasileiros
fora do país. A mensagem, portanto, é
política. A proposta é focalizar um agrupamento que, ao contrário da indicação
do sr. Thomas, não se ajusta pela "falta
de um enorme elemento cultural que
não os deixa se integrarem ao resto da
comunidade". Não. É exatamente o inverso, é a existência de laços não desmanchados com o Brasil que não lhes
permite gerar uma "comunidade". Convém lembrar que esse é um dos pontos
mais debatidos do livro.
O meu objetivo, não entendido pelo sr. Thomas, foi demonstrar a intimidade da vida dos brazucas, de pessoas pobres, que padecem as dificuldades de ajustes, as agruras para sobreviver diante de um fenômeno que implica romper com um pressuposto histórico que exibe o Brasil aberto a receber, e não a exportar, gente. E isso não é tão óbvio, infelizmente. Como o enfoque são os brasileiros e porque o livro foi escrito como denúncia endereçada ao conjunto de nossa sociedade, não cuidei dos poloneses, russos, lituanos e demais grupos que buscam refúgio nos EUA ou que "aportaram no Lower East Side... no início do século". "Reserva de memória" Nem caberia, pois, para usar a mesma metáfora do comensal sr. Thomas, não se trata de uma feijoada com ou sem "couve, farofa e laranja fatiada que cercam o feijão preto". A jovialidade do "nosso" processo emigratório derivada dos anos de ditadura -portanto, ainda recente- não poderia ser considerada além de suas legítimas balizas cronológicas. Até porque o livro é sobre o fluxo brasileiro, e não sobre o contexto histórico da cidade de Nova York, não caberia inverter a situação, como propõe o irritado cidadão que adequadamente se reconhece fora de si. As citações musicais que servem de epígrafes não têm intenção lírica. Em se tratando de análise de memória e identidade, as sugestões musicais arroladas cumprem o papel de "reserva de memória". Por certo, seria necessária alguma fineza intelectual para o entendimento desse recurso. O mesmo se diz dos elogiados gráficos apenas usados como apêndice. Porque o sr. Thomas cita minha instituição, a USP, e a envolve na raiva incontida de não pertencer a corpo nenhum, se lhe recomenda uma volta aos bancos acadêmicos para que aprenda algumas regras e normas de responsabilidade profissional. Por fim uma concordância ou, melhor, duas: "Não é resenha ou crítica" e "acho que alguém mais competente do que eu deveria fazê-la". Concordo. José Carlos Sebe Bom Meihy é professor no departamento de história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor de, entre outros, "Manual de História Oral" (ed. Loyola). Texto Anterior: + literatura: O cerco dos ratos Próximo Texto: + sociedade: Pílulas culturais e pedacinhos do Brasil Índice |
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