São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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Trauma social

Para psiquiatra francês, desligamento da realidade pode ser entrave maior à recuperação psicológica da ex-refém

LAURA MARZOUK

Louis Jehel é psiquiatra e dirige o Centro de Psicotraumatologia do hospital Tenon, em Paris. Também é presidente da Sociedade Francesa de Psicotraumatologia. Na entrevista abaixo, ele fala do lento processo de recuperação psicológica por que deverá passar Ingrid Betancourt.  

PERGUNTA - Quais são as fases pelas quais Ingrid Betancourt vai passar após sua libertação?
LOUIS JEHEL
- Para começo de conversa, é preciso falar com muita cautela, pois nem todo mundo reage da mesma maneira. A primeira fase, a da libertação, é uma fase de remobilização pessoal psicológica e física.
Ela se traduz por uma excitação grande, completamente legítima, que pode dar uma imagem um pouco eufórica, ao mesmo tempo em que é tranqüilizadora e positiva. Mas essa fase é muito onerosa no plano pessoal. Recomendamos às pessoas que vivem esse momento que se protejam e se contenham.
Após essa fase de intensidade emocional, há o período do esgotamento, que ocorre com freqüência nos dias seguintes. Isso porque o esforço emocional impõe um ônus físico muito grande, aliado ao estresse intenso vivido nas últimas horas.

PERGUNTA - Como ela conseguiu suportar todo esse tempo?
JEHEL
- Em primeiro lugar, é uma pessoa de resistência excepcional. O que exerceu um papel muito importante para ela foi o apoio e os recursos sociais externos que tinha e com os quais sabia que contava.
Esse fator continuará a ser um grande estímulo para Ingrid: ela está no centro de uma rede que a valoriza extremamente, e isso será de grande ajuda para reduzir a intensidade do trauma sofrido.

PERGUNTA - Ingrid Betancourt está reencontrando seus filhos e seu marido, que não viu durante seis anos...
JEHEL
- Com freqüência uma ex-refém sente um desnível entre aquilo que ela própria sente e o que os outros imaginam que ela vive. A impressão de ser sobrevivente de algo extremamente perigoso pode se traduzir em dificuldades em encontrar um lugar na comunidade dos vivos, fora daquela situação de ameaça.
Num primeiro momento, a família pode estar muito presente e ser muito compreensiva, mas existe o risco de que as pessoas que a cercam tenham dificuldade em conservar esse lugar depois de alguns meses.
Há também o risco da decepção que pode surgir da incompreensão das pessoas que não viveram a ameaça da morte.

PERGUNTA - Quais são os sintomas pós-traumáticos que Ingrid Betancourt pode apresentar?
JEHEL
- Existem dois tipos de sintomas. Primeiramente, o sintoma da repetição, que se manifesta na impressão de que a ameaça continua. Isso é acompanhado de um estado de hipervigilância, algo que pode ter sido muito útil no cativeiro.
Mas existe o risco de esse estado de atenção constante persistir durante muitos meses e constitui, inclusive, um obstáculo à retomada da vida normal. Isso pode se manifestar por graves problemas do sono e de concentração.
A outra categoria são os sintomas de dissociação, ou seja, estar um pouco desconectado da realidade do dia-a-dia.
É uma maneira de adaptar-se a uma situação de ameaça elevada, mas, quando a situação se prolonga além do acontecimento traumático, se torna prejudicial à saúde. Esses sintomas se manifestam pela dificuldade de se reorganizar, de se readaptar e de concentrar-se em sua nova realidade.


Este texto saiu no "Le Monde". Tradução de Clara Allain .


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