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Nas graças de Mussolini
PESQUISADORES ITALIANOS DEFENDEM QUE, NOS ANOS 30, O FASCISMO TEVE PENETRAÇÃO MAIS FÁCIL E ENCONTROU CONSENSO MAIOR ENTRE IMIGRANTES NO BRASIL DO QUE NA ARGENTINA; O DITADOR COMPARAVA OS DOIS GRUPOS E LAMENTAVA A RESISTÊNCIA NO PAÍS VIZINHO: "NÃO NOS COMPREENDEM NEM NOS AMAM"
Toda a América Latina (particularmente algumas nações,
o Brasil em primeiro lugar) recebia uma grande atenção
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Popperfoto/Getty Images
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O ditador Benito Mussolini (1883-1945) faz a saudação fascista |
ADRIANA MARCOLINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
EM BUENOS AIRES
Um livro, ainda inédito no Brasil, sobre a penetração
do fascismo nas sociedades latino-americanas indica que a influência dessa ideologia no período entreguerras foi maior
no Brasil do que na Argentina,
onde a população italiana era
proporcionalmente maior.
Para o pesquisador Angelo
Trento, autor do capítulo sobre
o Brasil no livro "Fascistas en
América del Sur", a atitude favorável dos párocos imigrantes, os convites do corpo diplomático e o grande poder de
persuasão dos notáveis da comunidade, como os empresários Francesco Matarazzo
(1854-1937) e Rodolfo Crespi
(1874-1939), contribuíram para construir o apoio maior dos
italianos no Brasil ao fascismo,
especialmente a partir dos
anos 30.
Para a organizadora da coletânea, Eugenia Scarzanella,
professora da Universidade de
Bolonha, as autoridades italianas em Buenos Aires não souberam aproveitar o potencial
que representava a maciça presença de italianos no país (em
1927, quando a Argentina tinha
13 milhões de habitantes, 1,7
milhão eram italianos).
Trento, professor da Universidade de Nápoles, estudioso
da imigração italiana no Brasil,
revela que Matarazzo e Crespi,
os "tios da América", não
apoiaram o fascismo apenas
com palavras, mas também
com generosas contribuições
financeiras para organizações
do regime na Itália e no Brasil.
FOLHA - O fascismo foi um instrumento para a identidade e a integração dos imigrantes italianos na
sociedade brasileira?
ANGELO TRENTO - O fascismo foi,
certamente, um instrumento
de construção (e, para as camadas médias, de fortalecimento)
de uma identidade nacional
que também envolvia as classes
populares, que por muito tempo, depois da unidade da Itália
[no século 19], haviam permanecido ligadas a uma dimensão
regional, quando não local, expressa por meio de usos, costumes e vários dialetos, segundo a
região de nascimento.
Com sua agressividade verbal, porém, o governo de Mussolini também estimulou uma
atitude de distanciamento em
relação à sociedade de acolhimento. Esse sentimento de estranhamento representou a exceção e não a regra, mas não
resta dúvida de que a aquisição
de uma consciência nacional
acabou por identificar a italianidade com o fascismo.
Assim, as manifestações dos
seguidores de Mussolini em
terras brasileiras (como em
tantos outros países) se identificaram com hinos, desfiles e a
ostentação de camisas pretas,
terminando por criar uma fricção com a população local.
FOLHA - A mudança do termo
"emigrantes" para "italianos no exterior", ocorrida em 1927, perdura
até hoje na linguagem oficial do
país. Seria uma forma de ocultar o
passado emigratório da Itália?
TRENTO - A utilização do termo
"italianos no exterior" no lugar
de "emigrantes" se enquadrava
no projeto fascista de exaltação
da italianidade. Sem dúvida, a
operação também escondia a
vontade de colocar em segundo
plano as causas econômicas e
sociais da emigração, mas este
não foi o motivo principal.
Aliás, o regime promoveu
duas ideias: uma emigração
qualificada e o fim da emigração popular de massa, o que se
enquadrava sob a óptica da política de potência buscada por
Roma. A ideia de que o excedente demográfico era uma
justificativa da emigração fazia
parte dessa política.
FOLHA - Quantos italianos havia
no Brasil no final da década de 20?
TRENTO - Não houve um Censo
no Brasil entre 1920 e 1940. No
entanto, estimativas confiáveis, como as elaboradas por
Giorgio Mortara, judeu italiano
que emigrou para o Brasil após
as leis raciais do regime fascista
em 1938, e um dos pioneiros do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que, em 1930, havia 435
mil italianos no país.
FOLHA - Por que a ideologia fascista conseguiu uma penetração maior
entre os imigrantes italianos no Brasil do que na Argentina?
TRENTO - Porque a emigração
italiana para o Brasil foi mais
tardia em relação àquela que se
dirigiu para a Argentina. Como
os italianos chegaram antes
àquele país, a imigração era
marcada pelos ideais do "Risorgimento" [processo de unificação da Itália] e de Giuseppe
Mazzini [1805-1872, considerado o apóstolo da unidade do
país]. Também tinha um caráter republicano e democrático.
Portanto, quando as primeiras associações italianas começam a se formar, os imigrantes
que já estavam estabelecidos
na Argentina assumiram seu
controle e conseguiram manter
várias delas fora da órbita fascista. Algumas foram, inclusive,
direcionadas em sentido contrário, ou seja, passaram a ser
antifascistas.
Há muitas razões para a
maior penetração do fascismo
no Brasil, mas podemos mencionar uma fraqueza maior do
antifascismo italiano no Brasil,
principalmente nos anos 1930,
que se deve, em parte, a um fluxo menor de exilados políticos
para o Brasil em comparação à
Argentina, principalmente de
esquerda e, em particular, de
comunistas.
Os indícios dessa penetração
maior da ideologia estão em
uma tomada de posição mais
firme por parte dos jornais argentinos e das associações italianas em relação ao fascismo
(a imprensa antifascista, ou, de
qualquer forma, não alinhada
com o regime, teve um impacto
e uma circulação menores no
Brasil do que na Argentina).
No Brasil, em meados dos
anos 1930, as associações italianas estavam totalmente a favor
do fascismo, por convencimento ou por conveniência. Há ainda a observação do próprio
Mussolini, que expressou o seu
desapontamento ao então embaixador italiano na Argentina,
em 1936: "Os italianos da Argentina não nos compreendem
nem nos amam. Se as coisas
continuarem assim, vamos nos
dirigir cada vez mais aos italianos no Brasil".
FOLHA - O governo de Mussolini
queria fazer do Brasil uma "nação
fascista" ligada a Roma ou nutria
pretensões imperialistas?
TRENTO - A ideia do fascismo
era aproveitar o número significativo de italianos que viviam
e trabalhavam em alguns países
da América Latina para criar
grupos de pressão e uma atmosfera favorável à Itália, sob a
forma de simpatias políticas e
com fins econômicos e comerciais, posição já presente na
classe dirigente italiana a partir
do final do século 19. Não havia
pretensões imperialistas nem
de expansão territorial.
FOLHA - Qual era a imagem que o
regime de Mussolini tinha da América do Sul?
TRENTO - Ao pesquisar a propaganda dos anos 1920 e, sobretudo, dos anos 1930, parece evidente que toda a América Latina (particularmente algumas
nações, o Brasil em primeiro
lugar) recebia uma grande
atenção.
Após 1929, a região passou a
ser vista com um grande interesse, uma vez que o regime estava convencido de que o enfraquecimento, em escala mundial, dos postulados democráticos e liberais podia abrir horizontes interessantes para o
modelo totalitário italiano.
Roma se apresentou como
alternativa à liderança de Washington e de Londres, mas sem
se colocar no mesmo patamar e até sublinhando a ausência de
qualquer vontade expansionista e de dependência. O aparato
teórico dessa manobra se baseava no conceito do panlatinismo, de forte valor simbólico
e propagandístico, que englobava a ideia de uma grande família étnica, em contraposição
ao pan-americanismo.
FOLHA - Em geral, a historiografia
brasileira afirma que a ideologia fascista só encontrou seguidores entre
a elite da coletividade italiana, enquanto as classes populares abraçaram o anarquismo. Isso é verdade?
TRENTO - Foi apenas uma minoria que se empenhou no movimento operário, defendendo
posições anárquicas, anarcossindicalistas e socialistas. De
qualquer forma, isso aconteceu
antes dos anos 1920 (caracterizados no Brasil por uma grande
repressão).
O fascismo encontrou sem
dúvida um vasto consenso entre a coletividade italiana e não
apenas entre as classes altas e
as camadas médias, mas também entre a pequena burguesia
(como na Itália), principalmente comercial, e entre os próprios operários, principalmente nos anos 1930.
Vários fatores contribuíram
para esse êxito: primeiro, a ausência ou a fraqueza de um
componente do "Risorgimento" na emigração que se dirigiu
para o Brasil, a qual, ao contrário do que aconteceu na Argentina e no Uruguai, não havia antes dominado o mundo das associações regionais, orientando-o politicamente de forma
desfavorável ao regime.
Em segundo lugar, influiu
uma obra de propaganda mais
minuciosa, que se valeu não
apenas de bolsas de estudo concedidas aos jovens brasileiros,
convites de viagem para jornalistas, projeções de filmes e
subsídios a jornais locais que
falavam bem do regime, mas
também de iniciativas culturais
(professores visitantes nas universidades brasileiras) e empreendimentos que atingiam o
imaginário coletivo, como as
travessias aéreas do Atlântico
que tinham como meta o Brasil, realizadas por pilotos italianos entre 1927 e 1931.
Em terceiro lugar, o prestígio
elevado de que gozava Mussolini com a opinião pública, as
classes dirigentes e os governos
estrangeiros influenciava principalmente os emigrantes.
Enfim, no Brasil, havia, mais
que nos outros países de forte
imigração italiana na América
Latina, um corpo diplomático
altamente fascistizante depois
de 1925.
FOLHA - Por que o corpo diplomático tinha um caráter mais fascista
particularmente no Brasil?
TRENTO - Durante o fascismo, o
corpo diplomático italiano em
todo o mundo foi conivente
com o regime em vigor ou, pelo
menos, não lhe foi hostil, salvo
raras exceções. A partir da metade dos anos 1920, foram incorporados principalmente
cônsules, mas também embaixadores, que não eram de carreira, que entraram por fidelidade política. No Brasil se registrou, eu diria que por acaso,
uma concentração desses diplomatas.
FOLHA - O sr. escreve que, no Brasil,
havia muitos imigrantes "convertidos" ao fascismo. Como as autoridades italianas os convertiam?
TRENTO - As "conversões"
aconteciam com várias categorias, mas principalmente com
alguns jornais étnicos, que antes eram adversários do "duce"
[Mussolini], muitas associações, alguns intelectuais e pessoas que tinham uma atividade
de esquerda. Assim como na
Itália, alguns militantes do movimento operário adotaram o
fascismo em virtude do seu antiparlamentarismo e anti-individualismo iniciais, e da ilusão
de um futuro pansindicalismo.
É mais fácil explicar a adesão
das pessoas da classe alta, mesmo as que no começo eram
pouco favoráveis, das camadas
médias e da pequena burguesia, à ideia de nação, à exaltação
do conceito de ordem e à busca
de uma política de potência.
FOLHA - Por que a estrutura dos
"fasci" e do Partido Nacional Fascista cresceu tanto no Brasil?
TRENTO - Os "fasci" [núcleos
que representavam o Partido
Nacional Fascista da Itália] no
Brasil cresceram principalmente em número de sedes: em
1924 já eram 40, ou seja, um décimo de todos os "fasci" italianos no exterior, e dez anos depois quase chegavam a 90. No
entanto, o número de inscritos
[os membros em regra com o
pagamento das mensalidades
eram entre 5.000 e 6.000, no
máximo] permaneceu irrisório
com relação à quantidade de
italianos residentes [558 mil no
Censo de 1920 e 325 mil no de
1940].
A proliferação dos "fasci" estava relacionada com a sua dispersão territorial em uma área
muito grande como é o território brasileiro.
Já a Opera Nazionale Dopolavoro teve um bom sucesso,
não tanto em termos de sede
[19 em todo o Brasil no final dos
anos 1930], mas de inscritos
[7.000 apenas na cidade de São
Paulo, em 1935]. Este último
dado é importante, uma vez
que esta estrutura ocupava um
raio de ação muito amplo na organização das horas vagas das
classes populares (cinema, teatro, excursões, festas dançantes
e atividades esportivas).
No que se refere ao aspecto
financeiro, os imigrantes ricos
não foram particularmente generosos com os "fasci", a fim de
evitar acusações de que fomentavam paixões e conflitos políticos alheios à terra que lhes
havia acolhido. Eles preferiam
enviar doações significativas
diretamente ao fascismo na
Itália, seguindo o exemplo dos
membros mais conhecidos na
comunidade, como Francesco
Matarazzo e Rodolfo Crespi.
FOLHA - Mussolini simpatizava
com Vargas; mas tinha consciência
de seu lado nacionalista?
TRENTO - Sim, essa preocupação existia por parte das autoridades fascistas e as correspondências diplomáticas são uma
prova disso. Mas o nacionalismo getulista nunca entrou em
rota de colisão com as atividades fascistas no Brasil.
Até na iminência da entrada
do Brasil na guerra e depois disso, excetuando situações particulares como o Rio Grande do
Sul, as normas adotadas para os
cidadãos do Eixo foram aplicadas com menos energia para os
italianos, em comparação aos
alemães e japoneses.
FOLHA - O governo de Mussolini
contribuiu financeiramente com a
Ação Integralista Brasileira (AIB). O
que havia por trás disso?
TRENTO - A AIB foi financiada
por Mussolini inclusive após
ser dissolvida por Vargas, mas
deve-se dizer que o fascismo
nunca confiou muito no partido ou nos seus dirigentes.
FOLHA - Qual foi a marca deixada
pelos fascistas italianos na sociedade e na vida pública brasileiras?
TRENTO - As marcas mais fortes
foram deixadas nos anos 1930,
com a evocação ao corporativismo; a inclusão, ao pé da letra, da "Carta do Trabalho" fascista na Constituição brasileira
da era Vargas; mas também no
controle da imprensa, nas técnicas de criação do consenso,
nos mecanismos de propaganda. Outros elementos, como
por exemplo o partido como
instrumento importante de canalização do consenso, não foram imitados.
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