São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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Oprimido, invisível e terapêutico

da Reportagem Local
e especial para a Folha

Boal relata como se consolidou e como vem crescendo o conjunto teórico do chamado Teatro do Oprimido. Reúne técnicas como o teatro-jornal, de três décadas atrás, até a função terapêutica do Arco-Íris do Desejo, que saiu em livro em 1996, no Brasil.

Folha - O que você define como Teatro do Oprimido? A entrada do espectador em cena, do teatro-foro, é uma das formas. Mas o livro "Teatro do Oprimido", de 1974, abrange experiências anteriores.
Augusto Boal -
Escrevi o livro em várias etapas, em vários momentos. Eu estava com "Arena Conta Zumbi", com "Tiradentes". Antes, em 62, eu tinha feito "A Mandrágora". Peguei os textos que tinha escrito desde então e, quando me exilei na Argentina, em 71, procurei um editor que tinha publicado outro livro meu e pedi para publicar o novo. Mas ele falou que era pequeno. E eu, "então eu vou ao Peru trabalhar um pouco com essas idéias". No Peru, comecei com o teatro-foro, em 73, e desenvolvi toda essa parte do livro. Quando voltei, ele falou: "Já dá um livro de bom tamanho".
Mas o livro se chamava "Poéticas Políticas". E ele, "os donos de livrarias estão dizendo que, com esse título, não compram. Se você põe na parte de teatro ninguém vai ler, porque parece poesia". (ri) Eu sugeri "Poética do Oprimido". Ele voltou, "não, os livreiros não querem. Eles querem "Teatro do Oprimido'". Aí eu não gostei, "pô, não é o teatro, é a poética inteira". Mas queria muito ver o livro publicado. Ficou "Teatro do Oprimido". Mas o livro, então, é meio sobre toda aquela época.
Folha - E o Teatro do Oprimido se ampliou, por outros livros.
Boal -
Ele cresceu imensamente. No "Arco-Íris do Desejo", que eu lancei em 92, na França, são todas técnicas introspectivas, de quando eu já estava na Europa. Trabalham com a globalidade do corpo e do pensamento. No Teatro do Oprimido, o que interessa é a transgressão primária que é entrar em cena. O seu lugar é na platéia, como espectador. A transgressão de entrar em cena é o símbolo de todas as transgressões que você tem que fazer, para se liberar.
Folha - "O Arco-Íris do Desejo" tem um caráter terapêutico...
Boal -
Tem.
Folha - Que transcende o teatro?
Boal -
Mas o teatro transcende o teatro. Ou você faz política, ou faz metafísica, ou faz terapia. Quer dizer, o teatro é uma linguagem. Ele se ocupa de todas as atividades humanas. Algumas vão no sentido da terapia, como é o caso desta. A mulher do (Jacob Levy) Moreno, que criou o psicodrama, me convidou para abrir um congresso de psicoterapia de grupo, em Amsterdã. Eu fui, mas falei "não sou terapeuta". Ela disse, "não é, mas seu trabalho é terapêutico".
Folha - Como surgiu a técnica do teatro invisível?
Boal -
Houve muito acaso no meio, na criação das formas do Teatro do Oprimido. O teatro invisível veio quando eu fui exilado. Um dia a gente preparou uma peça para fazer na rua. Mas os meus amigos começaram a dizer "não vá, se você for preso pode ser mandado para o Brasil". A peça se passava num restaurante e alguém teve a idéia de fazer sem avisar. E eu fiquei lá, assistindo. Eles representaram, sem dizer que era teatro. E todo mundo participou. O garçom verdadeiro disse mais ou menos as frases que o nosso garçom ia dizer. Foi uma penetração da ficção na realidade, revelando o caráter teatral de certa realidade.
Folha - É possível descrever um desenvolvimento linear para o Teatro do Oprimido?
Boal -
Linear, não. Eu diria que a primeira forma de Teatro do Oprimido mesmo foi o teatro-jornal que eu comecei a fazer em São Paulo. Eram técnicas simples para transformar notícia em cena teatral, tentando desmistificar a notícia. Já era o começo do Teatro do Oprimido, em 70, com as igrejas, escolas. A gente tinha uma peça, mas ela servia de estímulo para que os outros quisessem fazer.
Folha - Você não incluiu o chamado "sistema curinga", do Arena, no Teatro do Oprimido.
Boal -
Não. O que ficou foi só a palavra curinga, para a figura intermediária entre o espetáculo e o espectador, no teatro-foro.
Folha - Um "raisonneur"?
Boal -
Era um "raisonneur", um mestre de cerimônias. Já o sistema se chamava curinga porque os atores eram curingas, faziam qualquer personagem.



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