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Oprimido, invisível e terapêutico
da Reportagem Local
e especial para a Folha
Boal relata como se consolidou e
como vem crescendo o conjunto
teórico do chamado Teatro do
Oprimido. Reúne técnicas como o
teatro-jornal, de três décadas
atrás, até a função terapêutica do
Arco-Íris do Desejo, que saiu em
livro em 1996, no Brasil.
Folha - O que você define como
Teatro do Oprimido? A entrada do
espectador em cena, do teatro-foro, é uma das formas. Mas o livro
"Teatro do Oprimido", de 1974,
abrange experiências anteriores.
Augusto Boal - Escrevi o livro
em várias etapas, em vários momentos. Eu estava com "Arena
Conta Zumbi", com "Tiradentes". Antes, em 62, eu tinha feito
"A Mandrágora". Peguei os textos que tinha escrito desde então e,
quando me exilei na Argentina,
em 71, procurei um editor que tinha publicado outro livro meu e
pedi para publicar o novo. Mas ele
falou que era pequeno. E eu, "então eu vou ao Peru trabalhar um
pouco com essas idéias". No Peru,
comecei com o teatro-foro, em 73,
e desenvolvi toda essa parte do livro. Quando voltei, ele falou: "Já
dá um livro de bom tamanho".
Mas o livro se chamava "Poéticas Políticas". E ele, "os donos de
livrarias estão dizendo que, com
esse título, não compram. Se você
põe na parte de teatro ninguém vai
ler, porque parece poesia". (ri) Eu
sugeri "Poética do Oprimido".
Ele voltou, "não, os livreiros não
querem. Eles querem "Teatro do
Oprimido'". Aí eu não gostei,
"pô, não é o teatro, é a poética inteira". Mas queria muito ver o livro publicado. Ficou "Teatro do
Oprimido". Mas o livro, então, é
meio sobre toda aquela época.
Folha - E o Teatro do Oprimido se
ampliou, por outros livros.
Boal - Ele cresceu imensamente. No "Arco-Íris do Desejo", que
eu lancei em 92, na França, são todas técnicas introspectivas, de
quando eu já estava na Europa.
Trabalham com a globalidade do
corpo e do pensamento. No Teatro
do Oprimido, o que interessa é a
transgressão primária que é entrar
em cena. O seu lugar é na platéia,
como espectador. A transgressão
de entrar em cena é o símbolo de
todas as transgressões que você
tem que fazer, para se liberar.
Folha - "O Arco-Íris do Desejo"
tem um caráter terapêutico...
Boal - Tem.
Folha - Que transcende o teatro?
Boal - Mas o teatro transcende
o teatro. Ou você faz política, ou
faz metafísica, ou faz terapia. Quer
dizer, o teatro é uma linguagem.
Ele se ocupa de todas as atividades
humanas. Algumas vão no sentido
da terapia, como é o caso desta. A
mulher do (Jacob Levy) Moreno,
que criou o psicodrama, me convidou para abrir um congresso de
psicoterapia de grupo, em Amsterdã. Eu fui, mas falei "não sou
terapeuta". Ela disse, "não é, mas
seu trabalho é terapêutico".
Folha - Como surgiu a técnica do
teatro invisível?
Boal - Houve muito acaso no
meio, na criação das formas do
Teatro do Oprimido. O teatro invisível veio quando eu fui exilado.
Um dia a gente preparou uma peça
para fazer na rua. Mas os meus
amigos começaram a dizer "não
vá, se você for preso pode ser mandado para o Brasil". A peça se passava num restaurante e alguém teve a idéia de fazer sem avisar. E eu
fiquei lá, assistindo. Eles representaram, sem dizer que era teatro. E
todo mundo participou. O garçom
verdadeiro disse mais ou menos as
frases que o nosso garçom ia dizer.
Foi uma penetração da ficção na
realidade, revelando o caráter teatral de certa realidade.
Folha - É possível descrever um
desenvolvimento linear para o
Teatro do Oprimido?
Boal - Linear, não. Eu diria que
a primeira forma de Teatro do
Oprimido mesmo foi o teatro-jornal que eu comecei a fazer em São
Paulo. Eram técnicas simples para
transformar notícia em cena teatral, tentando desmistificar a notícia. Já era o começo do Teatro do
Oprimido, em 70, com as igrejas,
escolas. A gente tinha uma peça,
mas ela servia de estímulo para
que os outros quisessem fazer.
Folha - Você não incluiu o chamado "sistema curinga", do Arena,
no Teatro do Oprimido.
Boal - Não. O que ficou foi só a
palavra curinga, para a figura intermediária entre o espetáculo e o
espectador, no teatro-foro.
Folha - Um "raisonneur"?
Boal - Era um "raisonneur",
um mestre de cerimônias. Já o sistema se chamava curinga porque
os atores eram curingas, faziam
qualquer personagem.
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