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Na geral e no particular
Na rodada decisiva de um dos mais polêmicos campeonatos da história, estádios do país revelam um Brasil emergente, mas marcado por práticas oligárquicas, crime organizado e cidadania excludente
Adriano Vizoni - 29.nov.09/Folha Imagem
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Palmeiras e Atlético (MG) enfrentam-se, pelo Campeonato Brasileiro, no estádio Palestra Itália, em São Paulo
FLAVIO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na Grécia antiga, os Jogos Olímpicos praticados em homenagem aos deuses estancavam
temporariamente as rivalidades entre as "polei" e revelavam o funcionamento de uma
cidadania restritiva, garantida pelo escravismo.
Em Roma, os "ludi circenses", patrocinados por poderosos, envolviam sacrifícios humanos endereçados aos deuses e ao povo romano, deslocando os cidadãos das arenas para as arquibancadas.
Na Europa medieval, os torneios revelavam uma autocelebração que visava a afirmação
simbólica e social do etos da aristocracia militar.
No caso brasileiro, o futebol poderia ser tomado como uma das janelas privilegiadas para a
compreensão da sociedade?
Sim, com algumas cautelas que afastem a análise do senso comum que transformou o futebol numa gangorra impulsionada por frustrações e projeções de um pretenso caráter nacional.
O Brasil não é "o país do futebol" mais do que a Argentina, a Inglaterra e a Itália, onde sua
prática é também capaz de potencializar e expressar determinadas tensões sociais.
O estilo brasileiro não se diferencia do "jogo duro dos
gringos" por uma predisposição natural nem devido à miscigenação étnica. O drible -insulto gestual sem violência, criativo domínio da bola, do corpo, do tempo e do espaço para iludir o adversário- não é
uma prerrogativa brasileira.
A existência hoje de um "estilo brasileiro de jogar", entendido como o manejo particular
de um repertório de habilidades técnicas e táticas individuais e coletivas, deve ser posta
em xeque devido à diversidade regional do país e ao embaralhamento provocado pela globalização.
Plateia emergente
De maneira geral, uma claudicante e excludente cidadania
se revela nos estádios, onde os
espaços de expectação se sofisticam a cada dia como espaços
de diferenciação social.
A despeito das divergências
político-partidárias, a mesmice
ideológica brasileira consagrou
como símbolo da sua emergência um outrora ruidoso sindicalista, hoje embalado em Armani, embebido em Romanée Conti e transformado em eficiente síndico de condomínio.
Os estádios também revelam
nosso Brasil emergente. De um
lado, ao subtrair à vista os setores subalternos, eliminando ou
diminuindo as áreas anteriormente ocupadas pelos "geraldinos" e "arquibaldos".
De outro, mirando sob holofotes os lugares de antigos e novos privilegiados, ostentadores
de dignidades e reluzentes cartões de crédito. Independentemente das cores dos clubes, a
plateia se distingue com seus uniformes sociais.
Sob a contagiante coreografia das organizadas e sob a violência dos confrontos entre as
torcidas, revela-se o descompasso entre a condução administrativa dos clubes e uma demanda difusa (e confusa) por intervenção nesses mesmos clubes.
A incorporação da torcida ao
processo político é mediada pelas práticas oligárquicas da cartolagem.
Com as vitórias, legitimam-se os dirigentes e endeusam-se
os atletas. Com as derrotas...
Mais graves são os indícios
de penetração do crime organizado em certas torcidas. Gravíssimos são os rumores de que
os confrontos entre torcedores
podem passar a ser mediados por regras estabelecidas a partir dessa nova situação.
O Brasil das arquibancadas oferece um retrato preocupante da transferência de responsabilidades e da incapacidade dos poderes públicos.
Luta de classes
Por outro lado, o Campeonato Brasileiro da Série A revela a
brutal concentração de clubes
do Sul-Sudeste (16 contra 3 do
Nordeste e 1 do Centro-Oeste).
Na Série B, a situação é um
pouco diversa (11 do Sul-Sudeste, 6 do Nordeste e 3 do Centro-Oeste).
Na disputa da Série C, há uma melhor distribuição (8 do Sul-Sudeste, 6 do Nordeste, 3
do Centro-Oeste e 3 do Norte).
É um truísmo apontar a concentração regional de renda como causadora dessa situação.
Significativamente, o campeonato que se encerra hoje
pode ser decidido pelas questões locais.
Como na política brasileira,
não se pode ignorar o peso das
rivalidades na articulação das
alianças e composições. "Rivalis", em latim, significa concorrente e também aqueles que
habitam as margens do mesmo
rio (em termos jurídicos, que detêm conjuntamente a posse de um rio).
Como a rivalidade é amplificada pela proximidade e pelo
convívio, não serão surpresas, portanto, as derrotas de Grêmio e Santos para prejudicar,
respectivamente, Internacional e Palmeiras.
Como não foi surpreendente o "empenho" da equipe do Corinthians contra o Flamengo
no último domingo.
No tormentoso movimento das rivalidades (e alianças) entre os torcedores e das debilidades do exercício de uma cidadania crítica e participativa, cabe uma menção à Resistência Coral. Como outras torcidas ultras de esquerda no mundo, a ruidosa torcida do Ferroviário Atlético Clube do Ceará é anticapitalista e propõe o combate ao fascismo, à homofobia e ao racismo.
"Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes" é a palavra de ordem entoada nas arquibancadas.
Como a sólida ilusão do futebol se desmancha no ar, apesar
de anunciar o clube como "orgulho da classe operária", a torcida angaria a maior parte de
seus simpatizantes entre intelectuais e setores das elites.
Afinal, eles também são filhos do Brasil.
FLAVIO DE CAMPOS leciona história social na
Universidade de São Paulo e é coordenador do 1º
Simpósio de Estudos sobre Futebol, que ocorrerá em maio de 2010 em SP.
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