São Paulo, domingo, 07 de março de 2010

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Divorciada aos dez anos

Best-seller mundial, autobiografia "Meu Nome É Nujood" narra a história de menina que se separou do marido após ser forçada ao casamento

NICHOLAS D. KRISTOF

É difícil imaginar que já tenham existido muitas divorciadas mais jovens ou mais corajosas que a pequenina Nujood Ali, aluna de terceira série.
Nujood é uma menina iemenita, e não é por coincidência que o Iêmen abriga tamanho número de noivas meninas e de terroristas (bem como, agora, graças a Nujood, de crianças divorciadas). Sociedades que reprimem as mulheres são mais propensas à violência.
Para Nujood, o pesadelo começou aos dez anos, quando soube, por sua família, que se casaria com um entregador de mais de 30 anos de idade. Ainda que sua mãe não gostasse da ideia, ela não protestou.
"No nosso país, são os homens que dão as ordens, e as mulheres que as obedecem", escreve Nujood e em sua nova e forte autobiografia, que acaba de ser publicada nos EUA, "I Am Nujood, Age 10 and Divorced" [Meu Nome é Nujood, 10 Anos, Divorciada, com Delphine Minoui, Three Rivers Press, 192 págs., US$ 12, R$ 21].
O marido a forçou a deixar a escola, porque não ficaria bem para uma mulher casada estudar. O pai da menina pediu que o marido não a tocasse até um ano depois de sua primeira menstruação.
Mas tão logo se casaram, ela escreve, o marido a forçou a fazer sexo. Não demorou para que começasse a espancá-la. Nujood tinha ouvido dizer que juízes podiam conceder divórcios, e por isso um dia fugiu de casa, apanhou um táxi e pediu para ser levada ao tribunal.

Celebridade
Jornalistas iemenitas fizeram dela uma causa célebre, e Nujood por fim conseguiu o divórcio que desejava. A publicidade que cercou o caso inspirou outras meninas, como uma garota saudita de oito anos casada com um homem de 50, a solicitar anulações e divórcios. Em sua condição de pioneira, Nujood visitou os EUA e em 2008 foi celebrada como uma das mulheres do ano pela revista "Glamour".
Suas memórias ficaram por cinco semanas no primeiro posto da lista de livros mais vendidos na França, e estão saindo em 18 outros idiomas, entre os quais seu árabe natal.
Perguntei a ela, que agora tem 12 anos, o que pensava de sua vida como escritora de sucesso. Ela disse que as edições estrangeiras não lhe importavam muito, mas que aguardava com ansiedade a publicação do livro em árabe.
Após o divórcio, voltou à escola e a morar com sua família, que agora vive dos royalties de seu livro. Inicialmente, os irmãos de Nujood a criticaram por trazer vergonha à família. Mas agora que se tornou o arrimo da família, todo mundo vê as coisas de modo um pouco diferente.
"Agora, todos a tratam muito bem", disse Khadija al-Salami, uma cineasta que serve como conselheira de Nujood e traduziu a entrevista para mim. "Eles a tratam como rainha." O Iêmen parece uma bomba-relógio. É um dos focos das ações da Al Qaeda e também enfrenta guerras intermitentes no norte e um movimento de secessão no sul. Não é coincidência que tenha ficado em último lugar no índice de disparidade entre os sexos do Fórum Econômico Mundial.
Há duas razões para que os países que marginalizam mulheres terminem instáveis. A primeira é que eles em geral apresentam elevados índices de natalidade. E um dos fatores que apresentam mais forte correlação com conflitos sociais é uma proporção elevada de rapazes na faixa etária dos 15 aos 24 anos.
Em segundo lugar, esses países também tendem a praticar a poligamia e a apresentar taxas de mortalidade mais altas para as meninas. Isso significa menos mulheres disponíveis para casamento e mais solteiros frustrados para recrutamento por extremistas.
Assim, educar Nujood e lhe dar a chance de se tornar advogada -seu sonho- não é apenas questão de justiça, mas também uma forma de domar todo um país. Considere-se o caso de Bangladesh. Após se separar do Paquistão, Bangladesh começou a educar suas meninas de um modo que o Paquistão jamais fez. As mulheres instruídas servem como força de trabalho para o setor têxtil emergente e como força na sociedade civil. De bom nível educacional, elas são uma das razões para que Bangladesh, hoje, seja muito mais estável que o Paquistão.
No mês passado, os EUA anunciaram US$ 150 milhões [R$ 270 milhões] em assistência militar ao Iêmen para o combate aos extremistas. Em contraste, enviar uma menina à escola pública custa US$50 por ano, e menininhas como Nujood podem se provar mais efetivas que os mísseis como forma de derrotar os terroristas.

A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci.



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