São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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O nirvana é logo ali


Em "A Suíte Elefanta", Paul Theroux mistura exotismo, auto-conhecimento e capitalismo para retratar a Índia atual

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

As três novelas de Paul Theroux reunidas em "A Suíte Elefanta" não precisam ser lidas em conjunto: cada uma trata de um enredo específico, com começo, meio e destino próprios.
Mas a leitura das três tem ganhos interessantes porque, além de cruzarem alguns personagens entre si, todas acompanham de perto experiências de norte-americanos em viagens pela Índia.

No spa
Na primeira, um casal burguês hospedado num spa; na segunda; um executivo operando tercerizações com empresários locais; na terceira, uma jovem vivendo entre um "ashram" (local de retiro), como crente, um call-center, como professora de sotaque e suingue lingüístico norte-americanos, e uma casa onde vive um elefante, de carne e osso, como singela admiradora do enorme animal.
Há por tudo um ar de medo, como se na mão (e na visão) do autor a viagem de ocidentais àquele mundo implicasse riscos fortes.
Theroux é escritor profissional de guias de viagem, conhecendo os riscos reais da empreitada, mas também sabendo das fantasias e tolices que cercam a visitação de ocidentais às várias paragens do Oriente.

Mundo sem glória
O caso é que nas três novelas um esquema central se repete, sempre a sugerir, nas entrelinhas e no saldo geral da leitura, que por lá o mundo acaba sem glória, sem iluminação, sem volta.
Na primeira, "Colina dos Macacos", um casal norte-americano, marido e mulher convivendo cortesmente entediados um com o outro, se envolve sexualmente com funcionários locais, e o resultado, que a etiqueta das resenhas impede de evocar aqui, inviabiliza a permanência daquilo que parecia um mergulho em terapias amenas, restauradoras, orientais -mas já devidamente aclimatadas à visão de varejo que o mundo ocidental impõe a tudo, por onde transita, de religiões a pessoas, passando, naturalmente, por objetos.
A segunda, "O Portal da Índia", é talvez a mais sombria.
Tem como pano de fundo a recente onda de globalização, em que empresas americanas passam a comprar produtos e serviços na Índia, onde tudo é mais barato e pode ser produzido em padrões aceitáveis de qualidade -aquela gente aceita qualquer salário, não conta com legislação de proteção ao trabalho e, finalmente, vê saída para a miséria onde outros veriam um emprego degradante.
Nela, um um advogado recém-separado, que odeia tudo na Índia, da comida à gente, mergulha numa viagem pessoal degradante, enquanto seu parceiro local, executivo indiano bem-sucedido cujo pai, na velhice, largou tudo que tinha para virar monge mendicante, adere aos valores de mercado.
O final é acachapante, com a repulsa inicial do norte-americano transformada em amor perverso.
A terceira, enfim, "O Deus-Elefante", vai contar a viagem pela Índia de uma jovem e saudável mulher norte-americana, que está andando pelo mundo desconhecido após sua formatura na faculdade.
Era para ser uma nova parte de uma já sólida busca de autoconhecimento, com o objetivo de passar uma temporada num "ashram".
Mas a falta de grana obriga ao trabalho, e lá vai ela, graduada em línguas, ensinar aos jovens locais, da cidade próxima de seu local de retiro, como se fala para ganhar a confiança do consumidor -este um norte-americano de qualquer Estado.

Experiência terrível
O vendedor é o jovem indiano feliz com o emprego, talvez sem nunca ter experimentado o objeto de sua venda (vista de longe é coisa ridícula, mas o prezado leitor sabe que se trata de um esquema em pleno funcionamento).
Um momento de descuido vai conduzi-la a uma terrível experiência (também sexual), de que resulta outro horror.
Viagem ao coração do exotismo, lá onde agora se emprega gente simples a preço baixo e aonde se vai, presumivelmente, para descanso e busca espiritual, misturada com sexo irregular, resultando em fracasso pessoal, na beira da tragédia.
É a parte indiana do mercado mundial pela lente das bem construídas novelas de Paul Theroux, garantia de boas horas de leitura, nem que seja para perder a inocência acerca do paraíso, ao preço de acrescentar culpa judaico-cristã ao relato ficcional de viagem.


LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros livros.

A SUÍTE ELEFANTA
Autor: Paul Theroux
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Objetiva/Alfaguara (tel. 0/ xx/ 21/2199-7824)
Quanto: R$ 44,90 (304 págs.)


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