São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Bah, Che!

Documentos inéditos mostram que CIA ocultou do governo dos EUA que sabia da localização de Guevara na Bolívia, onde seria morto 40 anos atrás

Zubin Shroff/Getty Images
Mulher segura bolsa decorada com imagem de Che Guevara em Hanói, capital do Vietnã


OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os 30 anos da morte de Ernesto "Che" Guevara (1928-1967) provocaram uma enxurrada de livros sobre o revolucionário cubano, entre eles os excelentes "Che Guevara, uma Biografia" (Objetiva), de John Lee Anderson, e "Che Guevara - A Vida em Vermelho" (Companhia das Letras), de Jorge G. Castañeda.
Os trabalhos então publicados avançaram na pesquisa histórica, mas não esgotaram o assunto. Com a aproximação da data dos 40 anos da execução do Che, na terça-feira, mais algumas lacunas são preenchidas, desta vez com a revelação de documentos inéditos de arquivos secretos do governo americano reunidos em "Relatório da CIA - Che Guevara", livro organizado por Mauricio Dias e Mario J. Cereghino.

Detalhes pontuais
Não se deve, no entanto, esperar o mesmo impacto historiográfico de dez anos atrás. As informações que agora vêm à luz, baseadas em correspondências e informes sigilosos entre março de 1967 e março de 1968, são detalhes pontuais que não mudam, na essência, a história já conhecida.
Guevara foi morto por um soldado do Exército da Bolívia um dia depois de ter sido capturado junto com um grupo de guerrilheiros que atuavam num ponto remoto do país.
O Exército boliviano recebia armas e, sobretudo, treinamento militar dos Estados Unidos.
A ordem da execução, dada pelo governo boliviano, foi captada por um operador de rádio a serviço da CIA, que a retransmitiu aos oficiais bolivianos que mantinham Guevara detido no meio da selva.
Nada disso é novidade. Após uma primeira versão, segundo a qual Guevara teria morrido em combate, o governo boliviano logo assumiria a responsabilidade pela execução. Quanto ao papel da CIA, foi relatado pelo próprio agente, numa versão endossada com poucas ressalvas pelos principais biógrafos do Che.
O que ainda não está totalmente esclarecido é a extensão do envolvimento da agência americana.
O "Relatório da CIA" pergunta se os Estados Unidos não teriam ordenado a execução. Ou se o agente que transmitiu a informação não teria mentido. São dúvidas cujas respostas não podem ser encontradas nas centenas de novos documentos. É possível que a história definitiva da morte do Che ainda não tenha sido escrita, mas certamente ela não dependerá da correspondência oficial agora revelada.
O livro, porém, não é destituído de valor. Ele serve para demonstrar como a CIA agia com independência em relação ao governo americano, ao qual, supostamente, deveria se reportar.
Para se avaliar a atuação da agência é preciso remontar aos meses que antecederam a morte do Che.
Para começar, não se sabia ao menos se ele estava vivo. Após uma fracassada tentativa de fomentar a revolução no Congo, Che sumira de circulação.
Especulava-se que teria se desentendido com Fidel Castro ou que estaria preparando a revolução na sua Argentina natal.
Sua presença na Bolívia era apenas uma hipótese. Afinal, o país, que fizera uma reforma agrária, não era o campo propício para pôr em prática a teoria do foco revolucionário.
Che Guevara chegou em novembro de 1966 à Bolívia, onde passaria os últimos 11 meses de sua vida. Apesar dos cuidados dos guerrilheiros, a CIA logo soube que o líder revolucionário estava no país. Essa informação, no entanto, não foi compartilhada com outras esferas do governo americano.
A seqüência de relatos mostra que o embaixador em La Paz, Douglas Henderson, e o Departamento de Estado foram mantidos na ignorância por vários meses. Em despachos consecutivos, Henderson duvidava das informações provenientes do governo boliviano, segundo as quais guerrilheiros estavam agindo no país.
Achava que, ao superestimar ameaças, os bolivianos queriam apenas mais verbas e armas dos Estados Unidos.

Débray é preso
O tom dos despachos só mudou a partir de abril de 1967, quando Régis Débray, integrante do grupo guerrilheiro, foi preso e confessou que Guevara estava na Bolívia. No mês seguinte começaram a chegar ao país os militares americanos que treinariam a unidade do Exército boliviano que, em seis meses, capturaria Guevara.
Também nesse desfecho Henderson foi isolado pela CIA. Por quase duas semanas, o embaixador, que era contrário à execução de prisioneiros, acreditou na versão de que Guevara morrera em combate, e foi isso o que informou a Washington. O que significa essa escamoteação de informações por parte da CIA? Talvez apenas que a morte do Che ainda conserve algo do enigma que um dia a cercou.

OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).


RELATÓRIO DA CIA - CHE GUEVARA - DOCUMENTOS INÉDITOS DOS ARQUIVOS SECRETOS
Organização:
Mauricio Dias e Mario J. Cereghino
Tradução: Roberta Barni e Luciano Munhoz
Editora: Carta Capital/Ediouro (tel. 0/ xx/ 21/3882-8200)
Quanto: R$ 34,90 (152 págs.)


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