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Doutor Guevara
Como médico, o argentino tentou
aliar revolução e avanços na área de saúde
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Este 9 de outubro assinala os 40 anos da
morte de uma extraordinária figura,
um líder revolucionário que marcou o nosso tempo,
Ernesto Rafael Guevara de la
Serna, Che Guevara (Che é o
equivalente a "você" dos argentinos, uruguaios e gaúchos).
Neste texto, vamos considerar um lado pouco mencionado
de Guevara, o lado médico.
Nascido (1928) em Rosario,
Argentina, Ernesto descendia
de uma família com origens na
Espanha e na Irlanda, dois países nos quais a paixão tem cidadania. Seus pais eram pessoas
cultas e engajadas politicamente: ambos opunham-se ao regime peronista que por longo
tempo ficou no poder.
Aos dois anos manifestou-se
no pequeno Ernesto a doença
que o acompanharia por toda a
vida, e que partilhou com figuras famosas, como Pedro, o
Grande, Charles Dickens e
Marcel Proust: a asma.
Em 1948, entrou na Universidade de Buenos Aires para estudar medicina. Estudante, Ernesto rapidamente desiludiu-se com o curso; não era um estudante dedicado e, numa carta
à namorada Chichina Ferreyra,
rotulou a profissão médica como "ridícula".
Mas defendia os aspectos humanísticos e sociais da profissão, defendendo a socialização
da medicina e sustentando que
os leprosos deveriam ser libertos de seu estigma.
Viagem de moto
Foi como estudante de medicina que, em 1952, Guevara empreendeu a famosa viagem pela
América Latina junto com seu
amigo, o bioquímico Alberto
Granado.
Pilotanto a motocicleta La
Poderosa 2, os dois partiram
para a jornada que depois Guevara narraria nos "Diários de
Motocicleta", ponto de partida
para o filme de Walter Salles.
Essa viagem foi, para o jovem
estudante, um verdadeiro rito
de passagem; já influenciado
pela literatura marxista e impressionado pela pobreza e pela marginalização que via, Guevara convenceu-se de que só a
revolução armada mudaria o
destino da América Latina.
Em uma palestra realizada
em 1960 e dirigida a soldados
cubanos, Guevara propõe-se a
responder a uma dupla pergunta: como se pratica uma medicina revolucionária? Como se
compatibiliza objetivos profissionais com objetivos revolucionários?
Em primeiro lugar, diz ele, é
preciso revisar a trajetória pessoal (um processo que o comunismo conhecia como autocrítica), por onde o médico revolucionário chegará à obrigatória conclusão de que o passado
tem de ser descartado.
Da mesma maneira deverá
mudar a medicina. O governo
revolucionário tem de prover
serviços de saúde pública para
o maior número possível de
pessoas, instituir um programa
de medicina preventiva e
orientar o público para práticas
higiênicas.
Isso não significava, apressou-se a acrescentar, sufocar a
iniciativa individual; ao contrário, talentos pessoais devem ser
estimulados, mas orientados
para a medicina social.
Função pedagógica
O médico deve inclusive
exercer funções pedagógicas,
ensinando ao povo como diversificar seus alimentos por meio
da agricultura.
E deve ter funções políticas, o
que, para Guevara, significa ouvir a população, interagir com
ela, aprender. Há um inimigo
comum, o governo norte-americano, e contra ele os cubanos
devem se unir, assim como devem se unir a outros povos,
mesmo que haja alguma diferença em termos de organização dos países (ou seja: mesmo
quem não é socialista pode fazer parte da aliança contra o
inimigo).
Se for preciso lutar, o médico
cumprirá funções de soldado e
de revolucionário, mas sem
deixar a medicina, sem cometer, dizia Che Guevara, o erro
que cometemos em Sierra
Maestra, em que o médico estava ansioso por combater, não
por cuidar de feridos.
Da guerrilha não é difícil passar ao terrorismo, mesmo porque para muitos é apenas uma
questão de nomenclatura. No
Oriente Médio não são raros os
médicos que optaram por essa
forma de luta política.
Formação superior
Isso contraria a tese de que
terroristas são recrutados nas
camadas mais pobres e incultas. Na verdade, a formação superior, sobretudo em medicina,
facilita a atividade terrorista.
Durante anos Europa e Estados Unidos trataram de compensar a falta de profissionais
por meio da "importação de cérebros"; cerca de 37% dos médicos com prática no Reino
Unido são estrangeiros. Isso facilitava o deslocamento dos
médicos que haviam optado
pelo terror.
MOACYR SCLIAR é escritor, autor de "O Centauro no Jardim" (Cia. das Letras).
NA INTERNET - Leia a íntegra deste
artigo no endereço eletrônico
www.folha.com.br/072761
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